Já houve anos mais abundantes para o cinema nacional, mas é preciso ser realista: na Mostra de Veneza, que está à porta — começa dentro de dez dias — não haverá cinema português salvo a exibição, em cópia restaurada, de Aniki-Bóbó, filme de Manoel de Oliveira realizado há mais de 80 anos. O trunfo de White Snail é a sua dupla de intérpretes, ambos não-profissionais (e também galardoados), unidos por uma história romântica a priori nada provável (tal como acontecia em Anora, de Sean Baker): uma jovem aspirante a modelo de Minsk que sonha partir para a China, com queda para dark lady, e um homem solitário, pintor nas horas vagas, que ainda vive na casa dos pais e trabalha na morgue local. Mas nestes meados de anos 20 do presente século, nestes tempos em que o mundo, não satisfeito de ter atravessado uma pandemia, continuou a abrir frentes de guerra e de retrocesso civilizacional, é saboroso depararmo-nos com a alegoria de um filme que inventa muito com quase nada; no caso, um mundo sem paternalismos que só as crianças podem habitar.
Author: Francisco Ferreira
Published at: 2025-08-16 17:04:36
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