No país dos passadiços

No país dos passadiços


De alguma forma é como se nosso imaginário nada tivesse mudado na aldeia de que parte o Emigrante de Malhoa nos anos 30 do século passado, como se aqueles terrenos continuassem a ser agricultados, como se a mancha florestal não tivesse crescido pelos cabeços e os camponeses cansados continuassem a dormir a sesta no meio palha… Ora não só isso não é verdade como a esta ficção que a nostalgia explica mas não legitima se juntou um paternalismo crescentemente insuportável, pois não só a imagem cristalizou no passado como se reage a qualquer alteração a esse cliché como uma ameaça, uma nódoa nessa paisagem, um atentado, sobretudo se essa alteração tiver um intuito económico: o olival é intensivo, os eucaliptais ardem (os não eucaliptais também ardem mas nestes argumentários isso não conta), o lítio é inaceitável porque a sua exploração obedece a uma lógica extractivista… Muito significativamente quando se faz o levantamento, desde os anos 60 do século passado, dos grupos a quem têm sido assacadas as responsabilidades pelos incêndios, e excepção feita aos fumadores, reaccionários e comunistas dos tempos revolucionários, deparamos quase sempre com inconfessáveis interesses económicos por trás das chamas: madeireiros, indústria das celuloses, promotores imobiliários, interessados na exploração de lítio… Certamente que por todos esses interesses se terá ateado fogo em Portugal, mas para que os fogos (fossem eles de origem criminosa ou provocados por causas tão impossíveis de evitar quanto o raio duma trovoada) se transformassem em grandes incêndios outros tiveram de concorrer. É também todo esse país que acha normal que em boa parte do interior os municípios sejam os maiores empregadores locais e que, à excepção desses passadiços em madeira que ardem todos os anos, desconfia de todos os outros investimentos.

Author: Helena Matos


Published at: 2025-08-23 23:03:13

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