Monte Gordo: praia de pescadores e nossa

Monte Gordo: praia de pescadores e nossa


Digo quase perfeita, pois embora revele pesquisa apurada na imprensa de época, uma bibliografia esclarecida, entrevistas pessoais e um estilo vamos dizer competente, faltou-lhe uma campanha final de editing que desbastasse as redundâncias e as repetições obsessivas em que a nossa leitura tropeça a espaços lembrados, para enfatizar mais e mais a situação marginalizada e marginal de pescadores e conserveiros vivendo em cabanas de junco barrão e paus de piteira ou barracas de adobe com cal e cascas de bivalves do dito Sertão, o bairro de pobres que, com uma única exceção, “não existe nas crónicas de veraneio” (p. 47). De 1820 em diante a construção clandestina de cabanas voltaria ao velho areal de “mais de uma légua de praia” (p. 64), aumentando sempre, incluindo já muitos prédios de alvenaria com paredes de adobe e cobertura de telha, até que os primórdios e a consagração da “vilegiatura marítima” e dos “banhos salgados” (p. 13) em moda atraiu novos moradores, ainda que sazonais, algo que o desenvolvimento da indústria conserveira de Vila Real a partir de finais do século XIX muito exponenciou: “Monte Gordo, de súbito, é descoberta como praia de banhos e começa a ser frequentada por famílias alentejanas (montanheiros pobres e grandes proprietários do Baixo Alentejo), pela burguesia comercial e industrial da Vila e por uma elite ligada à política e ao sector dos serviços” (p. 15). Na década de 1920, chalés de burgueses, dois casinos, o Espanhol e o Peninsular, e o serviço de táxis de Samuel Sequerra para o apeadeiro ferroviário ou para Vila Real ajudam a mudar a paisagem urbana — à semelhança do que sucedeu no litoral a norte —, de aglomerado piscatório a estância balnear, “uma espécie de arrabalde chic de Vila Real de Santo António” (p. 26), capaz de atrair as famílias de Olhão ligadas à indústria conserveira que a guerra de 1914-18 enriqueceu, mas também proprietários rurais algarvios que venderam passa de figo para rações de combatente de diferentes países beligerantes (p. 32).

Author: Vasco Rosa


Published at: 2025-09-21 09:54:33

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