a formula 1 passava por uma revoluçao silenciosa naquele inicio dos anos 1960 a criaçao do campeonato mundial de construtores e a ascensao das equipes garagistas britanicas a partir de 1958 estava provocando uma transferencia de poder e uma mudança cultural na categoria depois de praticamente dominar os primeiros anos da formula 1 as equipes italianas — em especial a ferrari — se viram ameaçadas por cooper lotus brm e brabham que se tornaram competitivas ao reinventar o jeito de se fazer carros de formula 1 a engenharia da scuderia seguia um estilo mais tradicional de se fazer carros de corrida o projeto começava pelo motor e o carro era ajustado ao regulamento tudo era feito nas oficinas das equipes por engenheiros mecanicos e artesaos ja os ingleses seguiam um estilo mais industrial terceirizando os componentes dos carros — algo que mais tarde transformaria a inglaterra no centro do mundo da formula 1 esse confronto de estilos nao era apenas uma constataçao analitica era um confronto real os italianos desdenhavam o modelo britanico — e dai a origem do termo garagista usado por enzo ferrari para se referir aos britanicos pois considerava que eles nao fabricavam seus carros eram apenas montadores de peças a questao e que o desdem de enzo ferrari nao mudava a realidade os montadores de peças estavam superando seus carros com frequencia e ganhando campeonatos em cima deles a ferrari conquistou o titulo de pilotos em 1958 com mike hawthorn mas nao levou o titulo de construtores que ficou com a vanwall eles ja haviam perdido o titulo para a vanwall em 1958 perderam novamente para a cooper em 1959 e 1960 e so foram conquistar o titulo de pilotos e construtores em 1961 no ano seguinte os garagistas continuaram atrapalhando o sono de enzo ferrari a brm levou os dois titulos a ferrari precisava de uma adaptaçao urgente aquela nova formula 1 que se tornava cada vez mais tecnica e complexa como se nao bastassem os ingleses roubando aos poucos o protagonismo italiano nas pistas a ferrari tinha sua propria crise interna para piorar a situaçao foi nesse cenario que mauro forghieri entao um jovem engenheiro de 26 anos com pouco mais de um ano e meio de casa e sem nunca ter projetado um carro ou um motor completo se tornou o principal responsavel pela reestruturaçao que a ferrari precisava o estagiario que virou chefe mauro forghieri chegou a ferrari em um momento conturbado enzo ainda vivia o luto da perda de seu filho alfredo dino ferrari e estava impedido legalmente de reconhecer seu filho ilegitimo piero lardi — uma vez que era casado com laura ferrari alem disso enzo estava sendo processado pelo estado italiano por suposta negligencia no acidente que matou alfonso de portago na mille miglia de 1957 um processo que se arrastaria ate 1961 e teve forte pressao da midia que acusava ferrari de construir fama a custa das vidas de seus pilotos forghieri ainda era um estudante de engenharia mecanica na universidade de bolonha quando seu pai reclus forghieri o apresentou a enzo ferrari em meados de 1957 reclus era um torneiro mecanico que trabalhara com enzo ferrari nos primeiros anos da scuderia quando ela ainda era a equipe de fabrica da alfa romeo depois de se refugiar no exterior para escapar dos fascistas devido a uma serie de criticas feitas pelo avo de mauro anselmo forghieri em jornais franceses a familia voltou a italia e reclus voltou a ferrari para montar os motores de competiçao foi o proprio enzo ferrari que ofereceu a mauro uma oportunidade de estagio na fabrica na epoca o curso de engenharia exigia um minimo de horas de aprendizado pratico entao naquele mesmo ano mauro começou a trabalhar como aprendiz do engenheiro chefe andrea fraschetti o sonho do jovem mauro forghieri contudo era trabalhar na industria aeronautica apos o estagio ele concluiu o curso de engenharia e enviou um curriculo a northrop corporation enquanto aguardava uma resposta dos americanos que acabaria nunca chegando seu pai o recomendou novamente a enzo que convidou o jovem forghieri a trabalhar na equipe no final de 1959 mauro forghieri começou a trabalhar como assistente de carlo chiti que havia substituido fraschetti morto em um acidente durante os testes do 156 dino de formula 2 — outro acidente fatal que recairia sobre os ombros de enzo ja abalado pelas perdas de alberto ascari e alfonso de portago [caption id= attachment_381979 align= aligncenter width= 1024 ] chiti enzo e forghieri de costas [/caption] para piorar ferrari ainda veria os acidentes fatais de luigi musso e peter collins em seus carros em 1958 os acidentes fatais os processos do governo italiano e seu drama pessoal com os filhos deixaram enzo ferrari cada vez mais distante do comando da fabrica sua esposa laura acabou cobrindo sua ausencia tornando se a chefe da equipe de fato foi quando os problemas começaram a sra ferrari era ainda mais agressiva e tiranica com os funcionarios que seu marido chegando ao ponto de ofender funcionarios chave da fabrica em especial o gerente de vendas girolamo gardini sua vitima mais frequente ela gritava com ele o insultava por motivos alheios ao seu trabalho e quando as vendas despencaram foi culpado pela dona ferrari em broncas homericas e claro que ele nao aguentaria aquilo por muito tempo entao ele fez o que qualquer pessoa faria e foi conversar com enzo ferrari gardini foi direto ao ponto ou laura ferrari deixava o comando da fabrica ou ele deixava a fabrica enzo se sentiu ultrajado pela audacia de gardini um funcionario pedir a demissao da esposa do dono da fabrica enzo ficou ao lado de sua esposa e gardini saiu da sala como ex funcionario da ferrari ao saber do ocorrido o diretor tecnico carlo chiti o diretor de design giotto bizzarrini e o chefe da equipe de corridas romolo tavoni e outros cinco funcionarios contrataram um advogado para ajuda los a escrever uma carta a enzo ferrari posicionando se contra a demissao do colega foi uma atitude ousada que surpreendeu os demais funcionarios da ferrari que jamais pensariam em confrontar enzo na carta eles fizeram a mesma ameaça de gardini exigindo a readmissao do colega e o afastamento de laura ferrari [caption id= attachment_381983 align= aligncenter width= 1073 ] enzo ferrari carlo chiti e giotto bizzarrini[/caption] eles achavam que enzo ferrari por mais teimoso que fosse nao decapitaria a propria empresa demitindo seus principais diretores eles estavam errados enzo ferrari se manteve em silencio e prosseguiu a reuniao tratando das pautas da semana como se nada tivesse acontecido ao fim da reuniao os oito diretores receberam da secretaria de enzo um envelope cada um assim que sairam da sala no envelope havia um salario mensal em especie e uma carta de demissao o episodio aconteceu em um momento critico para a ferrari porque carlo chiti havia projetado o 156 sharknose que vencera o campeonato naquele ano e a lotus estava preparando o contra ataque para a temporada seguinte alem disso giotto bizarrini havia começado a trabalhar no projeto que se tornaria a 250gto que acabou largado pela metade enquanto a jaguar estava lançando o e type a carroll shelby conseguiu o acordo com a ford para fazer o shelby cobra e como se nao bastasse chiti bizzarrini e tavoni pretendiam criar uma equipe de formula 1 para derrotar a ferrari enzo ferrari entao tomou a decisao mais improvavel promoveu ao cargo de diretor tecnico o recem contratado assistente de chiti mauro forghieri entao com apenas 26 anos mauro tentou explicar a enzo que nao tinha experiencia suficiente — afinal ele havia apenas feito alguns calculos do 156 dino e mal havia chegado a scuderia como engenheiro enzo pediu apenas que ele se calasse e trabalhasse pois cuidaria do resto foi o inicio de uma relaçao duradoura e que resultaria em uma das carreiras mais brilhantes da historia da formula 1 a provaçao mauro forghieri tinha nas maos nao um projeto mas uma herança a ferrari 156 sharknose que havia conquistado o titulo de pilotos no ano anterior era agora sua responsabilidade — um carro que nascera sob outra liderança em outra logica conceitual mas que precisava continuar competitivo em um cenario tecnico que mudava rapidamente forghieri encarou a oportunidade com prudencia e lucidez ele certamente tinha pontos de vista divergentes da filosofia de chiti mas ele nao poderia simplesmente mudar o carro inteiro na condiçao em que se encontrava naquele momento ele ainda nao era formalmente o diretor tecnico — mas na pratica ja era o responsavel pela engenharia da scuderia um salto ousado seguido por um fiasco poderia custar a melhor oportunidade de sua carreira ate entao com prudencia ele apenas otimizou o projeto deixado por chiti fazendo alteraçoes localizadas e eficientes o chassi tubular tinha uma flexao lateral que antes tornava o carro docil mas com a evoluçao dos pneus e velocidades mais altas foi preciso revisar as treliças para torna lo mais rigido a torçao o motor tambem foi refinado com novos coletores para acompanhar o aumento da potencia dos rivais britanicos e um novo sistema de arrefecimento para conter a temperatura um problema critico no carro do ano anterior a suspensao ainda baseada em um eixo de dion teve sua geometria revisada para tentar se manter competitivo frente aos lotus de suspensao independente nas quatro rodas apesar do esforço de forghieri a ferrari nao conseguiu conter os britanicos que venceram oito das nove corridas do campeonato a temporada começou bem com phil hill chegando em terceiro na estreia do campeonato o gp da holanda depois com um segundo lugar no gp de monaco e mais um terceiro lugar no gp da belgica a partir da quarta corrida o gp da frança as greves na italia começaram a afetar a operaçao da ferrari que nao participou da prova e voltaria a ficar fora dos gp dos eua e da africa do sul pelo mesmo motivo a ferrari acabou o campeonato em um amargo sexto lugar atras ate mesmo da porsche mas o mau desempenho se deveu mais aos fatores extra pista do que ao carro em si — afinal a ferrari correu apenas em seis das nove etapas e pontuou em cinco delas mostrando que o carro tinha potencial para ao menos terminar o mundial de construtores em uma posiçao mais privilegiada naquele ano forghieri aprendeu que o avanço nem sempre se mede em vitorias as vezes ele se revela na forma de amadurecimento mesmo sem o cargo formal forghieri teve de assumir a responsabilidade de tomar decisoes estrategicas lidar com pressoes e aprender a lidar com o temperamento de enzo ele coordenava mecanicos testava novas soluçoes no carro de forma pragmatica quase sempre deixando a formalidade de lado seu estilo conciliava a autoridade de quem tem o conhecimento tecnico com a humildade de quem coloca a mao na graxa — uma combinaçao rara que rapidamente o elevou a condiçao de lider e abriu caminho para projetos mais ambiciosos com isso forghieri conseguiu fazer mudanças mais extensas na 156 para a temporada de 1963 o novo carro incorporava modificaçoes visiveis na carroceria e menos perceptiveis na dinamica veicular forghieri redesenhou o perfil do bico buscando um coeficiente de arrasto mais baixo e tentando melhorar o equilibrio em alta velocidade o capo traseiro foi alongado e refinado com saidas de ar mais amplas para otimizar o fluxo de ar sobre o motor v6 dino de 1 5 litro ainda baseado no projeto original de vittorio jano mas atualizado por franco rocchi a admissao recebeu coletores mais curtos com novas geometrias de ressonancia para otimizar o enchimento dos cilindros em altas rotaçoes o motor ainda teve a taxa de compressao aumentada e pequenos refinamentos na lubrificaçao e nos comandos de valvulas visando alcançar a curva de potencia dos britanicos — especialmente os v8 da brm e da climax outro avanço importante estava na suspensao forghieri substituiu o antigo sistema de braços oscilantes por uma geometria mais moderna com duplos braços triangulares sobrepostos double wishbones na dianteira e uma soluçao semi independente na traseira com barras de torçao e amortecedores inclinados permitindo ajustes mais refinados de cambagem e convergencia tudo isso visava reduzir o comportamento sub esterçante caracteristico das ferrari da epoca mas talvez a maior mudança fosse conceitual forghieri estava tentando aproximar modernizar a ferrari incorporando elementos de raciocinio aerodinamico analise estrutural e dinamica veicular que ate entao eram tratados de forma empirica pela equipe pela primeira vez o foco do desenvolvimento tambem passava pelo centro de pressao aerodinamica pela distribuiçao de massas e ate ensaios preliminares de fluxo de ar — ainda longe do tunel de vento mas ja com modelos em escala e testes de campo [caption id= attachment_381986 align= aligncenter width= 999 ] forghieri surtees e a ferrari 156 aero[/caption] apesar dos avanços tecnicos a 156 aero nao foi tao bem sucedido quanto seu antecessor a ferrari pontuou em todas as corridas que terminou mas a temporada de 1963 foi dominada por jim clark e seu lotus 25 enquanto as ferrari de john surtees e lorenzo bandini conseguiram apenas bons desempenhos pontuais a melhor colocaçao foi um segundo lugar de surtees no gp da alemanha em nurburgring circuito onde o torque em baixa do v6 e a robustez do chassi tubular ainda encontravam campo para brilhar mas para forghieri o ano de 1963 teve valor formativo ele pode testar suas ideias na pratica observar a concorrencia de perto e começar a formar sua propria equipe tecnica — algo essencial para conquistar a confiança plena de enzo ferrari que lhe deu carta branca para desenvolver um novo carro para a temporada seguinte acertando de primeira em 1964 mauro forghieri apresentou ao mundo sua primeira criaçao a ferrari 158 f1 um carro que representou uma ruptura silenciosa com o passado da ferrari era a primeira vez que a scuderia colocava na pista um motor v8 aspirado em posiçao central traseira desenvolvido exclusivamente para a formula 1 abandonando a arquitetura v6 dino que havia servido de base desde os tempos de jano e chiti nao era apenas uma mudança tecnica mas tambem um simbolo dos novos tempos na scuderia a ferrari deixava de lado seu tradicionalismo mecanico em nome da eficiencia e da competitividade a escolha pelo v8 foi pragmatica era mais compacto que o v6 e oferecia melhor equilibrio interno — essencial para reduzir vibraçoes e otimizar a massa suspensa na traseira o motor gerava cerca de 220 cv potencia comparavel a dos rivais britanicos mas com entrega mais linear e confiavel uma vantagem em pistas mais longas e tecnicas como spa francorchamps ou nurburgring ao contrario de lotus e brm que ja haviam migrado para monocoques de aluminio a ferrari manteve na 158 f1 um chassi tubular — em parte por limitaçoes industriais em parte por conservadorismo apesar disso forghieri atualizou o chassi com melhorias significativas como a estrutura principal feita de tubos de aço soldados em treliça com reforços triangulados nas zonas criticas de torçao para aumentar a rigidez sem comprometer o peso do carro a distribuiçao de massa era cuidadosa o tanque de combustivel era dividido em tres celulas colocadas ao redor do motor e entre os eixos para manter o centro de gravidade baixo e estavel a medida em que o carro consumia combustivel a suspensao dianteira usava o arranjo classico de duplos triangulos sobrepostos enquanto a traseira adotava uma geometria semi independente com braços oscilantes longos e amortecedores inclinados era uma soluçao ainda teoricamente inferior a dos britanicos mas ja refinada nos angulos de cambagem e convergencia o que proporcionava comportamento neutro e previsivel — algo vital diante da imprevisibilidade de pistas como zandvoort ou brands hatch a carroceria da 158 seguiu o conceito da 156 aero e foi projetada com foco na penetraçao aerodinamica e arrefecimento o bico do carro era mais afilado que na 156 aero com entradas de ar laterais e tomadas de ar sobre o motor estrategicamente posicionadas para alimentar os radiadores de oleo e agua as novidades surtiram efeito e a temporada de 1964 foi marcada por equilibrio entre a ferrari de john surtees a lotus de jim clark e a brm de graham hill surtees venceu dois gp nurburgring e monza mas o titulo foi decidido apenas na ultima etapa no mexico com problemas nos carros principais forghieri orquestrou uma verdadeira operaçao de guerra para manter surtees na pista uma combinaçao de estrategia resistencia mecanica e desempenho sob pressao permitiu que surtees terminasse em segundo lugar — suficiente para conquistar o titulo foi um feito historico surtees se tornou o unico campeao mundial tanto nas duas quanto nas quatro rodas — e mauro forghieri agora com 29 anos conquistava o titulo de construtores com o primeiro carro que ele havia projetado por inteiro como engenheiro chefe era o inicio da era forghieri marcada pela transiçao da ferrari de uma equipe de tradiçao artesanal para uma organizaçao mais integrada a ciencia do automobilismo enzo ferrari finalmente conseguia sua reposta aos garagistas ingleses apos a conquista do titulo de 1964 mauro forghieri consolidava se como o novo pilar tecnico da scuderia ferrari mas o reconhecimento interno nao eliminava os desafios as temporadas seguintes seriam marcadas por transformaçoes profundas no regulamento tecnico instabilidades politicas internas e uma crescente competitividade das equipes britanicas era a fase em que forghieri ja reconhecido como talento precoce precisava provar que tambem era um engenheiro capaz de evoluir — e resistir — ao tempo altos e baixos em 1966 o regulamento da formula 1 sofreu sua maior transformaçao desde a fundaçao do campeonato a capacidade maxima dos motores passou de 1 5 litro para 3 0 litros era uma mudança radical exigindo novos projetos do zero forghieri que ja vinha testando motores de maior cilindrada nos prototipos esportivos da ferrari foi encarregado de conceber o novo carro a ferrari 312 f1 o motor era um v12 a 60° com comando duplo de valvulas por cabeçote dohc e alimentaçao por injeçao mecanica derivado da familia de motores de endurance usados nos prototipos 275 p e 330 p mas adaptado para a resposta mais agressiva exigida pelos monopostos apesar do ronco inigualavel e da suavidade tipica dos v12 ferrari — o novo motor era pesado e beberrao com cerca de 390 cv em sua primeira versao ele ainda estava abaixo da confiabilidade e da resposta do v8 da brabham repco que era baseado em um motor oldsmobile de rua justamente para obter estas caracteristicas naquele primeiro ano do regulamento novo o chassi do 312 f1 embora fosse uma evoluçao do tubular do 158 ja incorporava um semi monocoque e estruturas auxiliares de reforço forghieri usou materiais mais leves como ligas de aluminio e titanio em pontos especificos e reconfigurou os sistemas de suspensao para lidar com o aumento de potencia e torque ainda assim o carro era dificil de acertar — pesado na dianteira e com tendencia ao subesterço em curvas longas em 1966 john surtees venceu o gp da belgica com o 312 sob uma tempestade em spa mas a relaçao com a direçao da equipe — particularmente com o novo gerente franco lini — deteriorou se rapidamente surtees abandonaria a ferrari em meio a temporada em um episodio que enzo ferrari depois admitiria como um erro grave entre 1967 e 1970 a ferrari oscilou entre promissoras evoluçoes e campanhas frustrantes o 312 f1 foi refinado ano a ano mas era claro que o v12 tinha limitaçoes quando comparado aos v8 mais compactos e mais ageis da concorrencia forghieri tentou diversas soluçoes tecnicas para melhorar o rendimento novas geometrias de camaras de combustao bielas de titanio coletores de escape harmonicos e ate uma nova fundiçao de galerias de arrefecimento no bloco do motor nada funcionou para os sistemas de suspensao forghieri trouxe os coilovers e começou a testar ajustes rapidos de amortecedores e barras estabilizadoras durante os treinos em busca de equilibrio dinamico mais eficaz a virada começou a se desenhar com o novo regulamento de segurança e o projeto do 312b introduzido em 1970 foi o primeiro carro da formula 1 a usar um motor plano de 12 cilindros o famoso flat 12 uma inovaçao concebida por forghieri com o objetivo de baixar o centro de gravidade e melhorar a distribuiçao de massas — sobretudo nas curvas de alta velocidade [caption id= attachment_381993 align= aligncenter width= 1200 ] nationales automuseum the loh collection 2023[/caption] o motor com configuraçao horizontal a 180° oferecia nao apenas um centro de gravidade mais proximo ao solo mas tambem permitia uma linha de transmissao mais baixa e uma cobertura aerodinamica traseira mais eficiente produzia cerca de 460 cv a 12 000 rpm com uma curva de potencia mais plana e robusta que os rivais cosworth dfv v8 o 312b em suas sucessivas evoluçoes tornou se uma referencia tecnica e nas maos de jacky ickx e clay regazzoni devolveu a ferrari o status de candidata ao titulo a temporada de 1970 foi marcada por uma intensa batalha entre ickx e jochen rindt lotus tragicamente interrompida pela morte do austriaco em monza a combinaçao de resultados deu a rindt o unico titulo postumo da historia da f1 e ickx terminou como vice campeao mas o prestigio tecnico da ferrari — e de forghieri — havia sido restaurado os anos seguintes porem revelaram as fraturas dentro da estrutura da ferrari com a saida de alguns engenheiros chave e dificuldades na gestao interna os resultados voltaram a cair em 1973 a ferrari teve um de seus piores anos na f1 com um carro pouco competitivo problemas de dirigibilidade e uma estrutura organizacional em desordem forghieri chegou a ser afastado temporariamente do programa de f1 realocado para os prototipos de endurance e projetos experimentais mas o destino ainda lhe reservaria uma segunda chance — e um dos mais brilhantes capitulos da engenharia italiana no automobilismo a reconstruçao de maranello a decada de 1970 chegou com uma serie de transformaçoes tecnologicas politicas e culturais — e a formula 1 nao escapava dessa mare o fim dos anos 1960 deixara a ferrari combalida a hegemonia britanica encabeçada pela lotus de chapman e pela eficiencia do cosworth dfv parecia intransponivel mas em maranello o retorno de mauro forghieri ao comando tecnico da equipe ao final de 1972 marcaria o inicio de um novo ciclo — e de uma das reconstruçoes mais radicais ja vistas na categoria com apenas duas vitorias na temporada de 1972 a ferrari precisava mais do que desempenho precisava de um novo espirito foi entao que enzo ferrari num raro momento de humildade estrategica autorizou a contrataçao de um jovem piloto austriaco vindo da brm niki lauda a chegada de lauda — somada a influencia do recem nomeado chefe de equipe luca di montezemolo — criou o ambiente propicio para que forghieri fizesse o que sabia melhor reconstruir com metodo ambiçao e engenho em 1974 a ferrari voltou as pistas com o 312b3 — uma evoluçao do carro de 1970 mas agora sob o olhar tecnico e critico de lauda a equipe iniciou uma transformaçao profunda do carro forghieri refinou o comportamento dinamico com novas geometrias de suspensao melhor distribuiçao de peso e um sistema de arrefecimento mais eficiente ainda nao era o carro ideal mas serviu de base para a revoluçao que viria a seguir o ponto de inflexao veio em 1975 com o ferrari 312t era um carro que combinava virtuosismo tecnico inovaçao funcional e concepçao sistemica — a assinatura definitiva de mauro forghieri o t no nome referia se a uma novidade revolucionaria o cambio transversal ao reposicionar a caixa de cambio na transversal ao eixo do carro entre o diferencial e os semi eixos forghieri reduziu o momento polar de inercia centralizou massas e permitiu uma transiçao de torque mais progressiva o resultado era um carro com comportamento equilibrado em curvas e mais previsivel em freadas — uma resposta direta as demandas de lauda que valorizava precisao acima de potencia bruta o motor era ainda o flat 12 de 3 0 litros agora com injeçao refinada cabeçotes retrabalhados e potencia em torno de 480 cv a 12 200 rpm com ampla zona de utilizaçao e confiabilidade exemplar a carroceria desenhada com foco em estabilidade aerodinamica e eficiencia de arrefecimento era compacta e fluida sem excessos na superficie a suspensao independente de triangulos sobrepostos foi montada com geometrias revisadas e o sistema de freios passou a contar com dutos de ventilaçao otimizados a ferrari nao apenas produziu um carro rapido mas tambem estavel duravel e controlavel uma rara combinaçao que resultou em uma grande vantagem na temporada o resultado lauda venceu cinco das quatorze etapas e sagrou se campeao mundial encerrando um jejum de onze anos para a ferrari foi a consagraçao de lauda — e a ressurreiçao tecnica de forghieri e da ferrari que voltava a ditar os rumos da formula 1 o sucesso do 312t foi duradouro entre 1975 e 1979 forghieri supervisionou cinco versoes da plataforma t t2 t3 t4 e t5 cada uma adaptava se as mudanças de regulamento e as exigencias de performance a versao t2 por exemplo foi ajustada para se adequar as novas normas de altura minima do assoalho enquanto a t4 buscava maximizar o contato dos pneus e começou a incorporar os principios emergentes da aerodinamica de efeito solo — embora de forma ainda parcial devido a limitaçao imposta pela largura do flat 12 em 1977 lauda reconquistou o titulo apesar do trauma do acidente em nurburgring no ano anterior em 1979 com jody scheckter ao volante do 312t4 a ferrari sagrou se campea de pilotos e construtores pela ultima vez antes de um longo hiato nos anos 1980 ao longo desses cinco anos a ferrari venceu cinco titulos dois de pilotos tres de construtores — todos com carros projetados sob a liderança direta de forghieri mais do que os titulos o legado dessa fase esta na filosofia forghieri via a formula 1 nao como um duelo de peças mas como um exercicio de sintese entre homem e maquina entre teoria e pratica entre inovaçao e controle ele integrava aerodinamica estrutura motorizaçao e comportamento dinamico com a precisao de um engenheiro e a sensibilidade de um mecanico experiente numa epoca em que os departamentos ainda trabalhavam isolados ele antecipava a engenharia integrada que viria a dominar o automobilismo decadas depois sua compreensao das interdependencias entre motor chassi e piloto formou a base do modelo tecnico que a ferrari — e boa parte da formula 1 — adotaria nos anos seguintes ao fim da decada de 1970 a ferrari estava novamente no topo campea de construtores em 1975 1976 1977 e 1979 campea de pilotos com niki lauda 1975 e 1977 e jody scheckter 1979 mauro forghieri era entao nao apenas o arquiteto tecnico por tras dessas vitorias mas uma das ultimas figuras da velha guarda de maranello ainda em plena atividade o que parecia um novo ciclo de dominio contudo logo se converteria em um periodo conturbado marcado por transiçoes tecnologicas decisoes politicas internas e o fim de uma era sinal dos tempos o maior desafio dos anos 1980 era claro a chegada dos motores turbo liderada inicialmente pela renault ja em 1977 forghieri compreendeu cedo o potencial da sobrealimentaçao mas em maranello — onde decisoes tecnicas e politicas se entrelaçavam — o processo de transiçao foi mais lento que o ideal o carro turbo da ferrari ficou pronto somente em 1981 o 126c era um carro de conceito completamente novo abandonando o confiavel flat 12 em favor de um motor v6 a 120° com turbo de duplo estagio kkk a configuraçao em v permitia maior compactaçao lateral essencial para otimizar a aerodinamica da traseira — e era tambem uma resposta as limitaçoes de rigidez a torçao que o flat 12 impunha ao chassi o motor entregava cerca de 580 cv em 1981 mas sofria com o turbo lag comportamento arisco e consumo elevado forghieri no entanto compensava estas falhas com engenhosidade estrutural o 126c2 apresentado no ano seguinte usava um monocoque de estrutura mista de aluminio e honeycomb suspensao redesenhada e importantes refinamentos no mapeamento dos turbos que passavam a trabalhar com pressoes variaveis e valvulas wastegate mais responsivas a temporada de 1982 foi um exemplo pratico do dilema ferrari o carro era veloz mas instavel gilles villeneuve e didier pironi venceram corridas e mantinham a equipe na liderança do campeonato ate a tragedia atingir a scuderia villeneuve morreu em zolder em maio e pironi sofreu um acidente grave em hockenheim encerrando sua carreira apesar da tragedia o 126c2 venceu o mundial de construtores consolidando a viabilidade tecnica da soluçao turbo de forghieri aquela altura o motor ja ultrapassava os 600 cv e o carro tinha uma aerodinamica cada vez mais voltada para o efeito solo embora ainda nao plenamente otimizada em relaçao as rivais como lotus e brabham a falta de tunel de vento proprio em maranello atrasava avanços mais profundos em 1983 o 126c3 trouxe melhorias aerodinamicas e de arrefecimento e usava um monocoque mais rigido e leve a potencia superava 650 cv e a confiabilidade aumentara — mas a ferrari perdeu o titulo para a brabham bmw de nelson piquet cujo motor turbo era ainda mais potente e o carro mais eficiente aerodinamicamente os anos seguintes foram frustrantes o 126c4 de 1984 ja ultrapassava os 800 cv em configuraçao de classificaçao mas sua aerodinamica era conservadora e mal resolvida e o carro sofria com instabilidade em curvas de alta e pouca traçao em saidas de baixa em 1985 o novo 156/85 trazia um chassi mais leve e rigido e um motor ainda mais potente — chegando a 850 cv em classificaçao — mas o conjunto revelava se fragil e pouco confiavel sobretudo nas corridas longas o carro começou o ano competitivo com vitorias e poles mas caiu de rendimento conforme a temporada avançava culminando em abandonos recorrentes a base tecnica era promissora mas a ferrari parecia incapaz de avançar com consistencia forghieri continuava a defender uma integraçao vertical entre chassi motor e aerodinamica algo que havia sido sua marca registrada desde os anos 1960 no entanto a direçao da ferrari buscava se modernizar segundo os modelos britanicos e em 1986 instituiu uma mudança drastica parte do desenvolvimento do carro passaria a ser feito no recem criado centro tecnico de guildford no reino unido a decisao representava mais do que uma descentralizaçao geografica — era uma cisao cultural o engenheiro britanico john barnard que havia sido contratado para liderar a equipe tecnica defendia uma estrutura independente do motor baseada em departamentos estanques e com grande foco em aerodinamica por cfd e uso de materiais compositos isso contrariava diretamente a abordagem sistemica de forghieri onde o projeto nascia como um organismo unico e coeso a convivencia tornou se inviavel o f1/86 com 850 cv em corrida e mais de 1 000 cv em classificaçao com pressoes de ate 4 bar era brutalmente veloz em linha reta mas impossivel nas curvas o problema nao era o motor era o carro desenhado por comite sem unidade tecnica ou coerencia de proposito a ferrari gastou mais energia com suas disputas internas do que enfrentando os rivais forghieri fora em 1987 a direçao da ferrari decidiu reestruturar radicalmente sua organizaçao tecnica mauro forghieri cada vez mais isolado e pressionado foi afastado do programa de f1 ele foi transferido para a ferrari engineering onde supervisionaria projetos especiais e estudos de viabilidade para futuras plataformas seu substituto efetivo foi john barnard que trazia da mclaren uma nova abordagem com desenvolvimento aerodinamico por cfd materiais compositos e um distanciamento entre chassi e motorizaçao — conceitos antagonicos a filosofia integrada de forghieri assim encerrava se de forma quase silenciosa a era do engenheiro que havia desenhado e supervisionado mais de dez geraçoes de monopostos da ferrari que conquistou quatro titulos de construtores tres de pilotos e que fora o unico tecnico da marca a atravessar tres fases distintas da formula 1 — aspirada efeito solo e turbo ao ser deslocado da linha de frente da scuderia ferrari mauro forghieri encerrava uma fase de sua carreira — mas nao sua historia na formula 1 em 1988 foi convidado por patrick mimran entao proprietario da lamborghini para liderar um novo braço tecnico da empresa a lamborghini engineering sediada em modena forghieri aos 54 anos voltava ao tabuleiro da f1 nao mais como herdeiro do imperio ferrari mas como fundador de uma nova casa a vida pos ferrari o projeto tinha um objetivo muito bem definido desenvolver um motor v12 naturalmente aspirado visando a era pos turbo que se consolidaria a partir de 1989 com a mudança de regulamento da fia a aposta era arriscada — os v10 ganhavam espaço pelo equilibrio entre potencia e consumo — mas forghieri acreditava no potencial do v12 desde que fosse leve compacto e com centro de gravidade baixo o resultado foi o motor lamborghini l3512 um v12 a 80° de 3 5 litros com arquitetura compacta e desenho robusto que entregava cerca de 600 620 cv a 13 000 rpm em sua primeira especificaçao 1989 e evoluiria ate os 750 cv nas ultimas versoes com bom torque e resposta progressiva tecnicamente era um motor refinado usava materiais leves geometria interna otimizada e tinha um som que evocava os v12 classicos dos anos 1960 em 1989 o l3512 estreou com a equipe larrousse que usava o chassi lola lc89 os resultados foram modestos mas otimistas o motor era confiavel e sua potencia era proxima dos melhores do grid o maior problema era o chassi pesado e com ma distribuiçao de peso algo que impediu bons resultados [caption id= attachment_382006 align= aligncenter width= 999 ] forghieri na larousse[/caption] nos anos seguintes a lamborghini engineering forneceu motores para diversas equipes em 1990 novamente com a larrousse o carro apresentou desempenho mais competitivo com aguri suzuki alcançando um podio no japao — o unico da historia do l3512 naquele mesmo ano a lotus tambem usou o motor mas aquela altura a equipe ja estava em serios problemas financeiros forghieri no entanto continuava seu trabalho com metodo supervisionava pessoalmente as bancadas de teste revisava o mapeamento eletronico do motor e mantinha uma equipe enxuta mas altamente tecnica o v12 evoluiu ano a ano e em 1992 ganhou uma versao mais leve e eficiente agora capaz de girar acima de 14 000 rpm o auge — e ironicamente o fim — desse capitulo veio em 1993 com o lendario projeto secreto entre a lamborghini e a mclaren insatisfeita com o desempenho dos motores ford hb da epoca a equipe de ron dennis testou o motor lamborghini em um chassi mp4/8 modificado com ayrton senna ao volante o carro impressionou nos testes senna descreveu o motor como forte e muito responsivo e o conjunto foi considerado competitivo para a temporada seguinte por razoes nunca oficialmente esclarecidas — embora se especule que a instabilidade da chrysler entao controladora da lamborghini e a desconfiança do conselho da mclaren quanto a confiabilidade do motor tenham pesado — a mclaren engavetou o projeto pouco antes do inicio da temporada de 1994 ron dennis entao chefe da mclaren optou por assinar com a peugeot para 1994 senna frustrado deixou a equipe rumo a williams forghieri que via nesse projeto sua ultima chance real de retornar ao podio da f1 encerrou ali sua atuaçao direta na categoria a lamborghini engineering seria descontinuada pouco depois o legado ao longo de sua trajetoria mauro forghieri projetou monopostos vencedores em quatro eras tecnologicas distintas a dos motores dianteiros com o 156 aero a dos v12 traseiros 158 f1 e 312 a do efeito solo e finalmente a dos turbos nenhum outro engenheiro da formula 1 atravessou tantas fases mantendo se tao relevante sua atuaçao era abrangente forghieri nao apenas desenhava o carro; ele tambem definia o motor idealizava a transmissao coordenava os testes e respondia diretamente pelo desempenho em pista inovador tecnico foi responsavel por soluçoes que anteciparam tendencias e influenciaram geraçoes seguintes a transmissao transversal do 312t de 1975 por exemplo foi um marco de integraçao estrutural e equilibrio de massa; o uso extensivo de suspensoes articuladas e testes aerodinamicos empiricos mesmo sem tunel de vento revelava uma sensibilidade intuitiva para o comportamento dinamico seu pragmatismo se combinava com um senso de proporçao quase artistico refletido nas linhas dos carros que projetava — alguns dos mais belos da historia da f1 mesmo fora da ferrari sua passagem pela lamborghini por outro lado demonstrou que ele ainda era capaz de criar soluçoes modernas competitivas e confiaveis o v12 l3512 e lembrado ate hoje como um dos motores mais melodicos e confiaveis de sua geraçao a recusa da mclaren em usa lo talvez tenha sido um dos ultimos momentos em que a politica prevaleceu sobre a engenharia de forma tao direta mas forghieri tambem foi um homem de seu tempo — e por isso sua figura se tornou anacronica com o salto tecnologico dos anos 1980 a especializaçao extrema das funçoes a fragmentaçao entre chassi e motor a chegada dos simuladores e da cfd dinamica de fluidos computacional formavam um cenario cada vez mais tecnico e menos artesanal o engenheiro polimata dava lugar a equipes multidisciplinares que respondiam a divisoes corporativas nao por acaso sua saida da ferrari marcou tambem o fim de uma era na ferrari — e tambem na formula 1 poucos nomes na historia da formula 1 carregam um vinculo tao visceral com uma equipe quanto mauro forghieri e a ferrari e possivel que enzo tenha visto em mauro forghieri o sucessor que seu filho dino nao teve a chance de ser executando seus planos para a continuidade modernizaçao e permanencia da ferrari sua historia e a evidencia mais concreta disso Foi o primeiro carro da Fórmula 1 a usar um motor plano de 12 cilindros (o famoso Flat-12), uma inovação concebida por Forghieri com o objetivo de baixar o centro de gravidade e melhorar a distribuição de massas — sobretudo nas curvas de alta velocidade. Assim encerrava-se, de forma quase silenciosa, a era do engenheiro que havia desenhado e supervisionado mais de dez gerações de monopostos da Ferrari, que conquistou quatro títulos de construtores, três de pilotos, e que fora o único técnico da marca a atravessar três fases distintas da Fórmula 1 — aspirada, efeito solo e turbo.
Author: Leonardo Contesini
Published at: 2025-04-16 17:46:02
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