Luiz Pacheco. O combate ao meio literário

Luiz Pacheco. O combate ao meio literário


E não faltam por aí vivos (ainda que pouco) e ressentidos alguns alvos, o que explica certa frieza, o silêncio militante, mas, e antes de irmos mais longe, numa altura em que as efemérides funcionam como uma imensa patuscada, em que cada um escolhe um osso seco do esqueleto em exposição, mordiscando umas ideias, atirando uns juízos baratos, fáceis, precipitados, ajudando também a limpar qualquer resquício ou lembrança daquilo que nele mais incomodava, e se o mais assustador continua a ser a forma como a vida é sacrificada indistintamente a favor de defuntos, muitos dos quais não nos dão em troca nada de verdadeiramente instigador, no caso de Luiz Pacheco seria útil traçar já um paralelo decisivo com uma figura coeva, a do escritor polaco Witold Gombrowicz. “Ao ver como são bem-comportados e alinhavados os nossos artistas e escritores, meros funcionários-usurários de um grãozinho qualquer de talento que lhes deu a Natureza, vêm-me sempre à cabeça os grandes exemplos dos irregulares, dos anti-sociais ou associais, que foram os grandes.” Diante de uma literatura imbuída até aos ossos da abstracção, quis devolvê-la à realidade tangível, e isso era uma questão mais de instinto do que de meditação cerebral, conhecendo o reino imundo da insuficiência, em vez de viver para as projecções idealistas, e não querendo nada com o absoluto, mas apenas com a razão que nos permite gozar essa plenitude dos dias, ser livre, desprendido, contar-se, permitir que as pequenas coisas assumam o seu lugar na experiência e na relação consigo e com os outros. Mas a literatura portuguesa não tem tentado ser outra coisa senão uma imitação do que se faz lá fora, muita dessa coisada são quase pastiches do que vai chegando em tradução e nos coloniza por todos os lados: as mesmas ideias, a mesma substância e os mesmos enredos, com um toque de pitoresco local de modo a fazer passar por “autêntico”, “profundo” o que por cá se escreve, mas sempre seguindo a receita, as modas, cumprindo os requisitos, e, por isso, o cenário logo amarelece, ficando estragado pela consciência de que não se trata de uma profundidade que nos seja própria, mas que estes autores estão todos igualmente submetidos à chantagem do mercado.

Author: Diogo Vaz Pinto


Published at: 2025-05-10 15:33:01

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