Literatura feminina: para lá do falso dilema

Literatura feminina: para lá do falso dilema


O que é extraordinário, de facto, é que tantos milénios depois a literatura feminina continue a ser algo que inquieta, desagrada a lógica falocêntrica, instabiliza um pretenso universalismo e biologismo sobre o qual se edifica uma cultura onde a mulher é “o outro”, onde o mundo se pensa dividido de forma simplista entre masculino e feminino, onde a arte — e mais especificamente a literatura — é vista como “um campeonato” entre géneros de onde só podem sair vencedores e vencidos, os grandes e os pequenos. Porém, o que está a ser apagado é o seguinte: a ausência de uma classificação, a retirada de um nome — “Literatura Feminina” — e a diluição na generalista “Literatura”, não dissolve o facto de que as mulheres continuam a não ter o mesmo acesso ao campo literário que os homens, não apaga o facto de que as vozes das mulheres, especialmente vindas de classes sociais com menos acesso ao poder, mulheres racializadas, homossexuais, têm sido ignoradas. Marguerite Duras, com a sua escrita fragmentária, cheia de silêncios, contida, dobrada, o fluxo da consciência de Woolf, a captura de instantes anteriores ao pensamento de Lispector, as vozes mitológicas de Christa Wolf, a gramática do medo de Monica Wittig, a linguagem do trauma de Herta Müller, a fusão do mito e da história da poeta Anne Carson, a identidade feminina como forma de desaparecimento de Cristina Rivera Garza.

Author: Joana Emídio Marques


Published at: 2025-05-10 10:29:28

Still want to read the full version? Full article