O impacto causado por “Gotham City” começou a escrever a história e a desnudar a identidade de Jards Macalé, que foi integrado, ao lado do afiado poeta Waly Salomão (ou Sailormoon como ele assinava então) e do lancinante guitarrista Lanny Gordin, à corte musical de Gal, intérprete a partir daí de uma pequena galeria de clássicos pós-tropicalistas da pena de Macalé: “Hotel das Estrelas” e “The Archaic Lonely Star Blues” (1970, com Duda Machado), “Pontos de Luz” (1973, somente gravado pelo autor em 2005, num pique de ponto de candomblé), “Mal Secreto” (1971) e, acima de todos, “Vapor Barato” (1971), sempre com Waly. O anos de 1972 foi também quando Macalé debutou em LP com um dos grandes álbuns da história da música brasileira, intitulado simplesmente Jards Macalé, com as versões de autor de várias das canções lançadas até então por outros intérpretes, mais as estupendas “Farinha do Desprezo”, “78 Rotações”, “Revendo Amigos” (também conhecida como “Volto pra Curtir”), “Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata” e “Let’s Play That”, essa última uma síntese de muitos macalés, via versos de Torquato Neto decalcados, agudizados e subvertidos do “Poema de Sete Faces” de Carlos Drummond de Andrade: “Quando eu nasci um anjo louco, um anjo solto, um anjo torto/ (…) com asas de avião/ (…) me disse, apertando a minha mão/ entre um sorriso de dentes: ‘vá, bicho, desafinar o coro dos contentes”. Mostrando que o último soluço era também um canto de cisne, pulsars e quasars num tempo de inúmeras e dolorosas despedidas, Coração Bifurcado deixa a carta de adeus “A Arte de Não Morrer”, do tempo da utopia e não de distopias: “A arte de não morrer/ no tempo de todas as dores/ a arte de ainda ver/ na escuridão das cores/ vivo dentro de um poema/ preso na minha canção/ a arte de viver livre/ nas grades do coração”.
Author: Pedro Alexandre Sanches
Published at: 2025-12-04 22:48:43
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