Crônicas da Lei e do Mito: o lado B de Hércules

Crônicas da Lei e do Mito: o lado B de Hércules


Segundo a tradição mais consolidada: estrangula o Leão de Nemeia e veste‑lhe a couraça; esmaga a Hidra de Lerna; captura a Corça Cerineia; subjuga o Javali de Erimanto; limpa em um só dia os Estábulos de Áugias, desviando rios; afugenta as aves de Estínfalo; domina o Touro de Creta; vence as éguas canibais de Diomedes; toma o cinturão de Hipólita, soberana das amazonas; captura os Bois de Gerião, erguendo colunas entre continentes; engana Atlas para colher as maçãs das Hespérides; e, por fim, doma Cérbero, o temido cão do “inferno”. Desde Platão — para quem o governante ideal deveria ser um filósofo capaz de contemplar o Bem e, a partir dessa visão, ordenar a pólis — juristas e filósofos ordenam suas ideias a partir de arquétipos de todo tipo, no sentido de traduzir em verbo aquilo que os códigos, sozinhos, não conseguem dizer. Em vez de exaltar o herói como ideal, Neves o insere em um dilema estrutural: o Direito contemporâneo oscila entre uma difusão interpretativa descontrolada — como a Hidra de Lerna, cujas cabeças se multiplicam — e o esforço sobre-humano de submetê-la à ordem — vide a pretensão do juiz Hércules.

Author: Vinícius Quarelli


Published at: 2025-07-05 11:00:28

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