É instrutivo confrontar a disciplina naval de há cinco séculos com o burlesco episódio da recusa, em Abril de 2023, de 13 tripulantes do NRP Mondego que se recusaram a embarcar numa missão de acompanhamento de um navio de guerra russo que passava junto a Porto Santo, alegando que esta comportava riscos excepcionais – esta recusa saldou-se em penas de 10 a 90 dias de suspensão, depois anuladas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, o que leva a presumir que, se há cinco séculos a noção de risco e os padrões disciplinares fossem os presentes, os Descobrimentos portugueses não teriam ido além das Berlengas. É insólito que nesta relação de “desertores” portugueses, Crowley omita Diogo Ribeiro, um reputado cartógrafo português que terá viajado para a Índia com Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque e que, em 1516, trocou Lisboa por Sevilha; Ribeiro ascendeu, em 1523, ao posto de Cosmógrafo Real de Carlos I/V (sucedendo a Sebastiano Caboto), representou Espanha na Conferência de Badajoz-Elvas, que tinha por propósito determinar a localização precisa do antimeridiano de Tordesillas e a posse das Molucas (ver Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir), e foi responsável pela coordenação de sucessivas edições do Padrón Real, o mapa de referência da Armada espanhola, que, sem surpresa, situa as Molucas dentro do hemisfério espanhol. Apesar de López de Legazpi ter sido incapaz de obter provas que contrariassem as reivindicações portuguesas, assentes no Tratado de Zaragoza, e de a expedição espanhola ter sido vítima de uma sucessão de dissabores que a deixaram muito diminuída, teve o mérito de descobrir uma rota viável para cruzar o Pacífico de ocidente para oriente, que foi delineada por Urdaneta e levada a cabo pelo navio da armada de López de Legazpi que se encontrava em melhores condições, o San Pedro, confiado ao comando de Felipe de Salcedo.
Author: José Carlos Fernandes
Published at: 2025-11-22 12:30:22
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