Civilização Ocidental: um conceito volátil

Civilização Ocidental: um conceito volátil


A sugestão de Krznaric será bem intencionada, mas parece ignorar o abismo que separa a Córdova medieval da Paris, da Londres ou da Córdova do século XXI: não só as atribuições e responsabilidades do Estado para com os cidadãos são hoje muito mais abrangentes e profundas, como os cristãos e judeus de Córdova estavam longe de ter os mesmo direitos que os muçulmanos e a “tolerância” com que as minorias eram tratadas comportava restrições de direitos, humilhações e iniquidades que seriam inadmissíveis numa democracia moderna – já não mencionando o facto de as fortes tensões geradas pela “Convivencia” no emirado/califado de Córdova serem, amiúde, libertadas em episódios de violência extrema contra cristãos e judeus. Some-se a este distanciamento o facto de alguns povos só muito tardiamente terem cristalizado como nações: a unificação da Alemanha só teve lugar em 1866-71 e a da Itália em 1848-71; a Bélgica só emergiu como entidade autónoma em 1830 e a Finlândia em 1917; na Europa de Leste a identidade nacional foi um conceito muito impreciso, vago e mutável até ao século XX (ver De Kharkiv a Mariupol: Como foram formadas as cidades que contam a história da Ucrânia, De Kaliningrad a Petropavlovsk: A geografia da Rússia, um país que se diz “cercado” e De Minsk a Pinsk: Como foram desenhadas a história e a geografia da “Rússia Branca”). As principais fontes de inspiração da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram os filósofos do Iluminismo e as revoluções do final do século XVIII, nos EUA e em França, que fizeram dos direitos humanos parte integrante das leis fundamentais das nações, através de documentos pioneiros como a Declaração de Independência dos EUA (1776), a Constituição dos EUA (1789), a Bill of Rights (1791, EUA) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789, França), que tinham sido antecedidas pela Bill of Rights inglesa, de 1689 (também ela fruto directo de uma revolução, a “Glorious Revolution” de 1688, que depusera o rei Jaime II, mas com raízes que remontam à Magna Carta de 1215).

Author: José Carlos Fernandes


Published at: 2025-05-25 11:10:39

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