Civilização ocidental: o fardo do homem branco

Civilização ocidental: o fardo do homem branco


Ao longo do século XX e com rapidez e intensidade acrescidas após o término da II Guerra Mundial, a ideia de que a civilização ocidental era superior a todas as outras e de que estava investida da missão de levar a luz e o progresso ao resto do mundo foi perdendo crédito, ao mesmo tempo que 1) Diminuía o peso na sociedade da fé cristã (usualmente apontada como elemento central da civilização ocidental); 2) A globalização e os avanços na tecnologia de comunicações promoviam a circulação de elementos provenientes de todo o planeta e diluíam a identidade cultural do Ocidente e das nações que dele faziam parte; e 3) Os territórios colonizados pelas potências europeias reconquistavam – pacificamente ou pela força – a sua independência e eram, pelo menos formalmente, admitidos como pares no concerto das nações. Allardyce tinha obrigação de saber que 1) A noção de civilização ocidental tinha vindo a ser paulatinamente construída ao longo de séculos; 2) Os EUA sempre estiveram conscientes das suas afinidades civilizacionais com a Europa (vejam-se, por exemplo, as marcas da República Romana no seu sistema político, na arquitectura dos edifícios do poder e na toponímia), pelo que seria inútil inventar um argumento que as evidenciasse; 3) Os emigrantes alemães e os seus descendentes eram (e são) muito numerosos nos EUA (sobretudo no Midwest) e estavam tão integrados na sociedade americana como qualquer outra etnia de origem europeia; e 4) Promover a ideia de que todas as nações ocidentais partilham um sólido e venerando núcleo de valores, crenças e modos de vida funcionaria como argumento para dissuadir (e não persuadir) os americanos de combaterem os impérios alemão e austro-húngaro, uma vez que o mundo austro-germânico não só é um dos mais antigos e robustos pilares da civilização ocidental, como, em 1917, o seu contributo para ela era bem mais importante do que o dos EUA. A primeira menção registada da expressão “mundo ocidental” precede em mais de 300 anos a “data de nascimento” da civilização ocidental proposta por Allardyce: o seu autor foi o inglês William Warner, que a empregou na obra Albion’s England (1586), um longo poema épico, de tom patriótico, que narra a história de Inglaterra mediante um entrançado de factos históricos, lendas, episódios bíblicos e figuras da mitologia greco-romana e que se estende cronologicamente entre o patriarca Noé e o tempo do próprio autor (com alguma licença, pode dizer-se que Albion’s England está para a história de Inglaterra como Os Lusíadas estão para a história de Portugal).

Author: José Carlos Fernandes


Published at: 2025-05-10 08:59:41

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