Civilização ocidental: freios e contrapesos

Civilização ocidental: freios e contrapesos


A inesperada e bizarra decisão de 01.07.2024 do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, determinando que o presidente dos EUA goza de imunidade total no que respeita a actos oficiais, parece ter encorajado Trump a, no segundo mandato, 1) governar através da promulgação de decretos presidenciais (“executive orders”) e da invocação de leis de emergência e de leis arcaicas, obscuras e anacrónicas, sem qualquer consideração pelo Congresso (ainda que o Partido Republicano goze de maioria em ambas as câmaras); e a 2) tentar, sistematicamente, ignorar ordens dos tribunais para suspender ou reverter medidas governamentais que estes concluíram serem ilegais ou inconstitucionais – e é de sublinhar que esta rejeição da autoridade dos tribunais já se estendeu a decisões do Supremo Tribunal de Justiça. Trump tem exprimido publicamente a sua admiração por Orbán e Putin (ver capítulo “O ás da geopolítica” em Donald Trump pelas suas próprias palavras) e percebe-se por que o faz: inveja nestes governantes a forma expedita como anularam a oposição, silenciaram os mass media independentes (ou facilitaram a aquisição destes por empresários seus amigos), restringiram a liberdade de expressão, anestesiaram ou intimidaram a opinião pública, preencheram o sistema judicial (Tribunal Constitucional incluído) com pessoas da sua confiança, promoveram revisões constitucionais que vão no sentido da “teoria do executivo unitário” (e que, no caso de Erdoğan e Putin, acabaram com a regra da limitação de mandatos presidenciais, algo com que Trump também sonha, intermitentemente) e criaram a ilusão de uma atmosfera de concórdia nacional, em cujo pináculo está o Homem Providencial que dirige firme e sabiamente a Nação. A existência, em cada país, de um conjunto articulado de entidades estatais consagradas à investigação médica, à vigilância e avaliação na área da saúde pública, à emissão de alertas e recomendações e à regulação do sector da saúde, e que trocam informação com as suas homólogas de outros países e com as agências internacionais, é uma realidade implantada, paulatinamente, ao longo do século XX e a ela devemos o facto de, na era da circulação hiperacelerada de pessoas e bens, a humanidade não ser atormentada todos os anos por pandemias ou por graves problemas de saúde decorrentes do consumo de produtos alimentares e fármacos que não cumprem os requisitos de qualidade e segurança.

Author: José Carlos Fernandes


Published at: 2025-08-09 10:04:00

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