Carros que mudaram o mundo #36: o Toyota Corolla E30

Carros que mudaram o mundo #36: o Toyota Corolla E30


outubro de 1973 as filas nos postos de gasolina americanos se estendem por quarteiroes motoristas acampam dentro de seus enormes sedas v8 esperando horas por combustivel racionado o embargo de petroleo arabe acabou de começar e os eua a naçao que inventou a cultura do automovel que construiu sua identidade sobre rodovias infinitas e motores enormes estao de joelhos em poucos meses os preços da gasolina quadruplicam o sonho americano sobre rodas vira pesadelo nesse caos pequenos carros começam a aparecer nas concessionarias americanas eles tem nomes estranhos corolla civic datsun 510 sao veiculos modestos com motores de quatro cilindros que os entusiastas americanos desprezam mas eles fazem algo revolucionario rodam 15 km/l e funcionam impecavelmente em qualquer situaçao por anos a fio entre esses invasores silenciosos um modelo se destacou mais que todos o toyota corolla e30 terceira geraçao de um seda que começou sua vida modestamente no japao em 1966 este carro especifico produzido entre 1974 e 1979 nao foi apenas mais um modelo bem sucedido ele foi um cavalo de troia japones usado para invadir e conquistar o maior mercado de automoveis do mundo ele provou que os americanos estavam errados sobre tudo tamanho potencia durabilidade e ate o conceito de qualidade esta e a historia de como um seda compacto japones destruiu a supremacia de detroit e redefiniu a industria automotiva global para entender o e30 precisamos voltar ao japao do pos guerra nos anos 1960 a toyota era uma fabricante ambiciosa mas regional focada em caminhoes e veiculos utilitarios o mercado domestico japones estava crescendo rapidamente e surgiu demanda por carros compactos economicos e confiaveis para familias urbanas em 1966 a toyota lançou o corolla original conhecido internamente como e10 um seda compacto de traçao traseira com motor 1 1 de apenas 60 cv o nome corolla significa pequena coroa em latim um jogo com o modelo maior da marca o crown a filosofia era clara criar um carro que apesar de popular acessivel e economico fosse extremamente confiavel como o modelo de luxo da marca nao havia pretensoes esportivas ou de luxo era um carro para servir nao para impressionar o corolla foi um sucesso imediato no japao sua engenharia conservadora com motor ohv suspensao simples e construçao robusta era extremamente confiavel e mais com ele a toyota aperfeiçoou seu sistema rigoroso de controle de qualidade inspirado nos principios de w edwards deming e taiichi ohno que tambem deu origem ao sistema toyota de produçao ou toyotismo a segunda geraçao designada e20 chegou em 1970 maior e mais refinada com motores de ate 1 6 litro foi essa geraçao que começou a ser exportada em volumes significativos para os eua testando as aguas do mercado americano os resultados foram mistos americanos achavam o carro pequeno demais fraco demais estranho demais mas a toyota estava aprendendo estudando o mercado adaptando modelos construindo redes de concessionarias e preparando algo maior em maio de 1974 a toyota lançou a terceira geraçao do corolla internamente chamada de serie e30 embora a nomenclatura tambem incluisse variaçoes como e40 e50 e e60 dependendo da carroceria e mercado este nao era apenas um facelift era uma reformulaçao completa projetada desde o inicio para ser um carro global com os eua e europa firmemente no radar o e30 manteve a formula conservadora de traçao traseira motor dianteiro longitudinal construçao body on frame nas versoes wagon ou monobloco nos sedas suspensao independente na frente e eixo rigido atras mas tudo foi refinado polido aperfeiçoado os motores variavam conforme o mercado o propulsor 2t 1 6 com comando varetado entregava 75 cv e era ultra confiavel o 3k 1 2 tambem com comando varetado produzia 73 cv para mercados com taxaçao baseada na cilindrada havia tambem o 2t c de 1 6 com comando simples no cabeçote e 88 cv mais moderno e o 18r 2 0 tambem com comando no cabeçote que alcançava 95 cv nas versoes mais potentes para os padroes americanos eram numeros pateticos um chevrolet impala da epoca tinha v8 de 5 7 litros com 145 cv — estrangulado por causa da crise e regulamentaçoes ambientais mas os japoneses nao estavam vendendo potencia estavam vendendo eficiencia o corolla e30 rodava ate 15 km/l em uso misto era o dobro do que qualquer seda americano medio conseguia em um contexto onde gasolina escasseava e custava quatro vezes mais isso era ouro puro mas economia nao era o unico trunfo o verdadeiro golpe mortal estava na qualidade de construçao nos anos 1970 carros americanos eram notoriamente mal feitos a cultura das fabricantes de detroit priorizava volume e lucro sobre controle de qualidade peças vinham de fornecedores variados tolerancias eram flexiveis e a montagem era apressada carros saiam da linha com defeitos e a filosofia era simples o concessionario resolve depois a toyota adotava uma filosofia oposta cada parafuso cada grampo cada encaixe era verificado o conceito kaizen ou melhoria continua permeava a fabrica trabalhadores podiam parar a linha de produçao se detectassem problemas algo impensavel em detroit onde tempo parado significava dinheiro perdido o resultado corollas simplesmente nao quebravam nao vazavam oleo nao apresentavam ruidos nao tinham paineis desalinhados rodavam 100 000 150 000 200 000 quilometros sem grandes problemas para americanos acostumados a trocar de carro a cada 100 000 km porque ele ja estava caindo aos pedaços isso era algo de outro mundo para entender por que o corolla triunfou precisamos entender o contexto apocaliptico de 1973 e 1974 em outubro de 1973 durante a guerra do yom kippur a opep decretou embargo contra naçoes que apoiaram israel incluindo os eua o preço do barril de petroleo quadruplicou em meses de tres para doze dolares nos eua o impacto foi devastador houve racionamento de combustivel filas de horas nos postos panico generalizado e adoçao do sistema odd even par impar onde placas pares abasteciam em dias pares e placas impares nos dias impares pela primeira vez desde a segunda guerra americanos enfrentaram escassez real e seus carros enormes sedas e station wagons que faziam 5 a 8 km/l se tornaram devoradores de dinheiro as big three como eram chamadas general motors ford e chrysler estavam completamente desprevenidas nos anos 1960 eles haviam ignorado avisos sobre eficiencia suas linhas de compactos como chevrolet vega ford pinto e amc gremlin eram mal projetadas apressadas descartaveis pior ainda detroit tinha mentalidade de obsolescencia programada carros eram projetados para durar de tres a cinco anos forçando o consumidor a comprar novos modelos a qualidade era secundaria o estilo e o lucro vinham primeiro quando a crise chegou detroit nao tinha nada competitivo seus compactos ainda eram maiores e mais sedentos que carros japoneses e eram cronicos os problemas cronicos para os japoneses foi o momento perfeito toyota honda nissan vendida como datsun nos eua e outras ja exportavam para o mercado americano em volumes modestos desde o final dos anos 1960 mas eram vistos como curiosidades carros para hippies estudantes sem grana e consumidores excentricos de repente ser economico e confiavel nao era mais vergonhoso era essencial o corolla e30 chegou aos eua em 1975 um timing perfeito a crise estava no auge americanos desesperados por alternativas a toyota nao vendeu o corolla apenas como carro barato e economico isso seria fatal associando o a pobreza e inferioridade exatamente a armadilha que pegou os compactos americanos em vez disso posicionaram no como inteligencia sobre ostentaçao comerciais mostravam familias sensatas nao hippies havia enfase na economia sem sacrificar conforto destaque para confiabilidade e baixo custo de manutençao garantias generosas que eram ineditas para a epoca mais importante a toyota investiu pesado em redes de concessionarias e treinamento de mecanicos compradores sabiam que teriam suporte pos venda algo que detroit negligenciava os resultados foram explosivos em 1973 a toyota vendeu cerca de 370 000 veiculos nos eua considerando todos os modelos em 1975 esse numero subiu para aproximadamente 475 000 crescimento de 29% em 1976 foram 588 000 veiculos e em 1980 a toyota ultrapassou a marca de um milhao de unidades vendidas nos eua pela primeira vez o corolla era o carro chefe dessas vendas respondendo por 40 a 50% do volume em 1977 o corolla se tornou o carro mais vendido do mundo ultrapassando o volkswagen fusca mas as estatisticas contam so parte da historia o verdadeiro poder do corolla estava no boca a boca imagine a cena voce compra um corolla em 1975 cetico seus amigos zombam chamando o de carro de lixo japa dois anos depois seu corolla ainda roda perfeitamente zero problemas apenas troca de oleo e manutençao basica enquanto isso o chevrolet vega do vizinho ja trocou motor transmissao e agora esta enferrujando voce vira um evangelizador da igreja do carro japones conta para familia colegas vizinhos eles compram corollas repetem o ciclo em dez anos o carro japones deixa de ser estranho e passa a ser a primeira opçao o sucesso do corolla junto com outros modelos japoneses como honda civic datsun 510 e mazda 323 teve efeitos profundos e permanentes antes dos anos 1970 qualidade para americanos significava tamanho potencia cromados luxo visual defeitos mecanicos eram normais a ideia de que carros sao assim quebram fazia parte da cultura os japoneses ensinaram uma liçao brutal qualidade e confiabilidade e nao quebrar e funcionar dia apos dia sem sustos e ter acabamento preciso peças que encaixam portas que fecham com solidez por anos detroit levou decadas para aprender e algumas marcas nunca aprenderam as big three foram forçadas a fazer um downsizing radical sedas grandes diminuiram os motores v8 foram trocados por v6 e depois por quatro cilindros as peruas encolheram mas tudo foi feito no improviso e por isso o resultado foi insatisfatorio os americanos diminuiram o tamanho dos carros mas nao o mudaram o modo de produçao eles ainda eram pesados os motores melhoraram o consumo simplesmente produzindo menos potencia — ainda tinham concepçao ineficiente pior em carros pesados a economia era irrisoria isso sem contar a qualidade de construçao que era a mesma de sempre exemplos desastrosos incluem o chevrolet vega de 1971 a 1977 com motor de aluminio mal projetado que literalmente derretia o ford pinto de 1971 a 1980 tinha tanque de gasolina que explodia em colisoes traseiras o chevrolet chevette de 1976 que era um projeto eficiente na europa brasil e japao mas que foi piorado pelos gostos do publico americano e ainda havia o cadillac cimarron de 1982 que tambem era europeu o nosso monza vindo do opel ascona e tambem foi estragado pela adaptaçao do carro a tradiçao americana enquanto isso o corolla continuava impecavel o impacto nas big three foi devastador a general motors tinha cerca de 46% de participaçao de mercado nos eua em 1978 numero que despencou para aproximadamente 25% em 2008 culminando em falencia em 2009 com socorro governamental a ford tinha cerca de 23% do mercado em 1978 caindo para aproximadamente 15% em 2008 quando teve de vender a jaguar a land rover a aston martin e a volvo para nao falir a chrysler tinha cerca de 13% em 1978 caindo para aproximadamente 11% em 2008 tambem falindo em 2009 e sendo vendida para a fiat a american motors corporation ou amc simplesmente desapareceu comprada pela chrysler em 1987 a reaçao de detroit foi previsivel chorar por proteçao governamental nos anos 1980 pressionados por sindicatos e montadoras o governo reagan negociou os chamados voluntary export restraints ou ver com o japao cotas que limitavam quantos carros japoneses podiam ser vendidos nos eua anualmente ironicamente isso ajudou os japoneses forçados a vender menos carros focaram em modelos de maior valor agregado dando origem as marcas de luxo lexus acura e infiniti começaram a construir fabricas nos eua os chamados transplants contornando as cotas e gerando empregos americanos e provaram que podiam fabricar nos eua com a mesma qualidade do japao destruindo o argumento de que qualidade japonesa era truque cultural o hq da toyota nos eua em 1982 a honda abriu a primeira fabrica japonesa nos eua em 1984 foi a vez da nissan em 1986 toyota e gm criaram uma joint venture e dois anos depois a toyota abriu sua primeira fabrica nos eua essas fabricas provaram que operarios americanos quando treinados com metodos japoneses produziam carros com qualidade japonesa o problema nunca foi a mao de obra e sim a cultura corporativa de detroit as tentativas americanas de responder foram todas frustradas a gm criou a saturn entre 1985 e 2010 projeto bilionario para reinventar a empresa e fazer carros no estilo japones inicialmente promissor foi sabotado por interferencia corporativa e fechou durante a falencia de 2009 a ford lançou o taurus em 1986 seda medio aerodinamico e moderno que teve sucesso inicial mas a qualidade inconsistente afundou sua reputaçao foi descontinuado pela primeira vez em 2007 e saiu de linha em 2019 a chrysler criou os k cars em 1981 plataforma que salvou a empresa da falencia nos anos 1980 carros competentes mas sem identidade e que nunca alcançaram confiabilidade japonesa na europa a invasao foi mais lenta mas igualmente inexoravel marcas como fiat peugeot renault e volkswagen tinham tradiçao em carros compactos eficientes mas perderam terreno pela mesma razao qualidade inferior corollas vendidos na europa eram percebidos como entediantes mas indestrutiveis elogio disfarçado que dizia tudo taxistas preferiam os carros japoneses porque eles simplesmente nao quebravam o corolla nao foi apenas um sucesso temporario ele se tornou o modelo mais vendido da historia com mais de 50 milhoes de unidades vendidas considerando todas as geraçoes de 1966 ate 2024 em 2008 a toyota se tornou a maior fabricante do mundo ultrapassando a gm — posiçao que mantem ate hoje sao 12 geraçoes ao longo de quase 60 anos lider de vendas global em multiplos anos a toyota tornou se a maior montadora do mundo ultrapassando a gm em 2008 posiçao que mantem ate hoje o corolla e30 junto com seus contemporaneos japoneses mudou a expectativa do consumidor antes a mentalidade era de que carros quebram e normal voce compra torce e troca rapido depois a pergunta passou a ser por que meu carro quebrou meu vizinho tem um corolla de 15 anos que nunca deu problema essa mudança de mentalidade foi irreversivel mesmo marcas americanas e europeias que sobreviveram tiveram que adotar metodos japoneses de qualidade hoje conceitos como lean manufacturing kaizen six sigma e jit ou just in time sao universais todos derivados do sistema produtivo toyota a gigantesca linha corolla nos eua em 1979 o toyota corolla e30 nao foi o primeiro carro japones nos eua nao foi o mais rapido nem o mais bonito muito menos o mais inovador tecnologicamente mas foi o certo na hora certa do jeito certo ele chegou quando os americanos estavam desesperados por eficiencia provou confiabilidade quando detroit entregava sucata manteve preço acessivel quando japoneses ainda eram vistos com desconfiança e fez tudo isso silenciosamente sem alarde sem propaganda agressiva apenas funcionando ano apos ano milhao apos milhao o corolla e30 nao invadiu os eua ele foi convidado a entrar por consumidores desiludidos com suas proprias montadoras e uma vez dentro nunca mais saiu detroit construiu seu imperio sobre potencia tamanho e estilo a toyota construiu o seu sobre algo mais simples mas infinitamente mais valioso confiança um seda pequeno sem pretensao com 75 cv e nenhuma ambiçao de ser lembrado mas ele fazia o que prometia todos os dias sempre sem falhar o segredo estava na simplicidade e na execuçao impecavel depois dele a industria nunca mais foi a mesma o corolla nao mudou o mundo porque era extraordinario mudou justamente por ser ordinario perfeitamente ordinario veja aqui os capitulos anteriores O embargo de petróleo árabe acabou de começar, e os EUA, a nação que inventou a cultura do automóvel, que construiu sua identidade sobre rodovias infinitas e motores enormes, estão de joelhos. A Ford tinha cerca de 23% do mercado em 1978, caindo para aproximadamente 15% em 2008, quando teve de vender a Jaguar, a Land Rover, a Aston Martin e a Volvo para não falir.

Author: Leonardo Contesini


Published at: 2025-10-28 21:28:40

Still want to read the full version? Full article