Carros que mudaram o mundo #16: o Land Rover

Carros que mudaram o mundo #16: o Land Rover


o novo defender e um carro estranho nao no sentido literal — ele e bonito bem acabado tecnicamente impressionante anda como um range rover tem torque de v8 hibrido monobloco de aluminio suspensao independente e sistemas eletronicos que literalmente pensam por voce e ainda assim ha algo nele que incomoda talvez seja o fato de que ele tenta ser coisas demais um suv de luxo um off roader de verdade um icone urbano uma vitrine tecnologica um simbolo do passado glorioso e do futuro verde ele tenta ser o defender mas quem conheceu o original sabe que isso e impossivel porque o verdadeiro defender nunca foi um carro ele era uma ferramenta uma maquina sem vaidade criada para servir e resistir uma maquina que surgiu em um periodo dificil e sobreviveu por sete decadas praticamente sem mudar ignorando modas e a ideia de conforto sua qualidade era sua funçao era um artefato de outro tempo — uma especie de martelo mecanico com placas e rodas — e talvez por isso tenha se tornado um dos veiculos mais idolatrados da historia hoje o nome defender ainda brilha em letras garrafais na traseira de um suv que voce pode configurar com bancos de couro windsor e tela de 11 4 polegadas mas a pergunta continua no ar incomoda e inevitavel um defender pode existir sem a brutalidade para responde la e preciso voltar no tempo antes dos tempos de suv antes dos motores transversais e das baterias de ion litio antes mesmo do nome defender existir o rover da terra talvez voce tenha reparado que todos os carros desta serie tiveram a personalidade de um homem como força motriz do projeto — alguem que sonhou planejou e executou cada um dos carros que mudaram o mundo com o land rover nao foi diferente o homem por tras dele era maurice cary wilks engenheiro e fazendeiro nas horas vagas — e ironicamente um sujeito pragmatico demais para planejar a criaçao de uma lenda nascido em 1904 maurice era o segundo dos tres irmaos wilks uma familia de engenheiros com sangue tecnico e ambiçao industrial seu irmao mais velho spencer wilks era diretor administrativo da rover company desde os anos 1930 maurice por sua vez subiu como engenheiro chefe da marca vindo da hillman e da general motors era um trabalhador metodico discreto sem vaidade — daqueles que preferem resolver o problema mecanico por conta propria fora do expediente a discuti lo em reuniao [caption id= attachment_386777 align= alignleft width= 1220 ] spencer e maurice wilks os irmaos que criaram o land rover[/caption] em 1947 enquanto a inglaterra ainda juntava os pedaços do pos guerra maurice passava parte de seu tempo livre numa fazenda em anglesey no norte do pais de gales la usava um jeep willys mb excedente de guerra para tarefas agricolas e foi ali literalmente no campo que a ideia nasceu o jeep era bom mas nao tinha sido feito para durar fora do front as folgas apareciam nos pivos o eixo dianteiro era subdimensionado para cargas laterais o curso de suspensao era curto demais para as trilhas acidentadas e a embreagem constantemente sobrecarregada passava mais tempo sendo trocada do que tracionando a manutençao era trabalhosa e as peças de reposiçao eram impossiveis de se encontrar na zona rural galesa para maurice wilks aquilo era inaceitavel se um veiculo precisa viver no campo carregar carga subir ladeira de manha e rebocar um rebanho a tarde ele tem que ser mais confiavel do que um jipe de guerra o conceito era certo — traçao nas quatro eixos rigidos leveza — mas o jeep era um veiculo de guerra improvisado feito para ser descartado nao herdado https //flatout com br/carros que mudaram o mundo 13 o jeep willys mb/ maurice compartilhou a ideia com spencer numa tarde de 1947 a proposta era simples criar um veiculo de trabalho com traçao nas quatro rodas capaz de rodar nos terrenos mais dificeis e resistente ao tempo a sujeira e ao desleixo — algo entre um trator e um automovel spencer alem de irmao era tambem a autoridade final da rover e enxergou naquilo nao so uma boa ideia tecnica mas uma oportunidade real de sobrevivencia comercial o mercado interno britanico estava fraco mas havia agricultores em toda a commonwealth precisando exatamente daquilo um cavalo mecanico moderno e barato facil de exportar e facil de consertar com aval de spencer a equipe da rover construiu em semanas o primeiro prototipo — o famoso center steer usando peças disponiveis da propria rover e de fornecedores militares ele tinha volante montado no centro do painel para permitir adaptaçao facil a exportaçao em paises de mao inglesa ou francesa a cabine era feita de perfis de aluminio rebitados o chassi construido com longarinas de aço retangular e travessas simples soldado em vez de parafusado a carroceria era feita com paineis planos de birmabright uma liga de aluminio com magnesio usada na construçao de avioes de guerra — leve resistente a corrosao e disponivel em estoque militar enquanto o aço era racionado o motor era o 1 6 de valvulas laterais da rover p3 com bloco e cabeçote de ferro fundido girava macio mas era subdimensionado para traçao integral e carga entregava 50 cv a 4 000 rpm e 11 kgfm a 2 000 com taxa de compressao de 6 8 1 — o bastante para rodar com gasolina de pessima qualidade o que o tornava ideal para a africa o oriente medio e a america do sul acoplada a esse motor vinha uma caixa manual de quatro marchas a quarta direta era a unica sincronizada ligada a uma caixa de transferencia da fairey com reduzida e traçao 4x4 selecionavel manualmente — mas sem diferencial central em traçao integral o sistema so podia ser usado em pisos de baixa aderencia sob risco de travamento e quebra em piso seco [caption id= attachment_386775 align= alignleft width= 2398 ] os irmaos wilks com o center steer[/caption] a suspensao era arcaica mas funcional dois eixos rigidos com feixes de molas semi elipticas longitudinais nao havia articulaçao transversal nem independencia de roda mas havia curso rigidez e reparabilidade os freios mecanicos e a tambor nas quatro rodas eram acionados por varao — um sistema antiquado mesmo para a epoca mas confiavel a direçao era por sem fim e setor pesada lenta mas praticamente inquebravel curiosamente seu nome veio de um outro modelo um rover 12 modificado que spencer dirigia pela propriedade da familia em gales ao chegar na propriedade o caseiro falou brincando que aquele era o rover da terra land rover em ingles spencer gostou do nome e apresentou a ideia ao conselho da rover que o aprovou imediatamente a rover tambem foi rapida na aprovaçao do projeto — a possibilidade de fabricar em curto prazo um utilitario leve com traçao nas quatro rodas capaz de atravessar vales e terras lamacentas usando menos aço e menos componentes complexos convenceu a fabricante em apenas algumas semanas 25 unidades de testes foram construidas para testes reais de durabilidade e versatilidade o conselho aprovou a produçao nao so como um plano b mas como estrategia de salvaçao — afinal ninguem estava comprando os outros carros da marca ao menos nao em um volume capaz de sustentar a fabrica o land rover chega as ruas e segue em frente quando elas acabam o land rover foi revelado ao publico em abril de 1948 no salao de amsterda — um evento discreto mas que reunia importadores europeus famintos por soluçoes praticas num continente em reconstruçao [caption id= attachment_386778 align= alignleft width= 1500 ] o lançamento do land rover[/caption] no primeiro dia as encomendas superaram as expectativas mais otimistas em seis meses a rover vendeu mais land rovers do que todos os seus carros de passeio combinados no mesmo periodo e nao foi apenas na inglaterra o land rover logo encontrou demanda na australia no oriente medio na africa do sul no quenia na malasia no canada no chile o veiculo era uma soluçao de transporte para onde o transporte nao existia o governo britanico — ainda combalido financeiramente — tambem abraçou o projeto como instrumento de exportaçao em pleno racionamento do pos guerra a rover teve prioridade no fornecimento de aluminio e aço com a condiçao de exportar 80% da produçao em troca ganhava acesso a moeda forte e reduzia o impacto de tarifas de importaçao em seus mercados externos o desempenho do land rover nas maos dos primeiros usuarios consolidou o mito rapidamente agricultores o usavam como trator leve engenheiros civis o transformavam em plataforma de topografia as forças armadas britanicas o adotaram como veiculo de reconhecimento a cruz vermelha o transformava em ambulancia de campo e havia ainda as missoes religiosas os caçadores de safari os exploradores de petroleo os biologos os contrabandistas e os militares de meia duzia de paises africanos recem independentes tudo isso acontecia sem a rover sequer tentar vender a imagem do carro nao havia campanhas emocionais nem slogans patrioticos o land rover simplesmente resolvia problemas reais em lugares onde nenhum carro de passeio podia chegar — e com manutençao simples o bastante para ser feita por alguem com uma caixa de ferramentas basicas a rover esperava vender 50 000 unidades ao longo de tres anos em cinco anos haviam sido fabricadas mais de 200 000 o que era para ser um arranjo temporario se tornou o produto que em poucos anos superou em vendas todos os outros modelos da marca em 1953 o motor foi substituido por um novo quatro cilindros de dois litros agora com comando no cabeçote que gerava 52 cv e melhorava a elasticidade naquele ano ele ganhou suas primeiras variaçoes de entre eixos o chassi original com entre eixos de 80 polegadas era substituido por um curto de 86 polegadas e outro longo de 107 polegadas em 1956 surgiram os primeiros land rover station wagon com teto rigido metalico e janelas traseiras laterais as evoluçoes o land rover havia nascido como uma resposta desesperada da rover no pos guerra mas foi sua evoluçao ao longo das decadas seguintes que o transformou num icone em 1958 com mais de uma decada fora de estrada a rover sabia que nao bastava mais apenas oferecer um carro utilitario funcional o land rover precisava se tornar um produto solido confiavel e sobretudo reconhecivel foi ali que começaram as mudanças que deram origem a serie ii a mudança mais visivel estava na carroceria ainda feita em aluminio birmabright mas agora com formas suavemente arredondadas para lamas mais amplos cantos suavizados e uma frente com farois integrados a grade — o visual que definiria o land rover pelos proximos 25 anos era como se o carro tivesse sido traçado com regua e compasso por alguem que finalmente sabia que aquilo ali ia durar muito tempo — ele foi o primeiro land rover concebido com auxilio de um designer de produto david bache que mais tarde daria forma tambem ao range rover ele nao o tornou bonito mas o tornou mais funcional e criou a imagem que ficaria fixada no inconsciente coletivo [caption id= attachment_386784 align= alignleft width= 2000 ] note como o serie ii deu ao modelo sw suas formas definitivas enquanto o sw da serie 1 parecia um carro remendado[/caption] por baixo da carroceria o chassi mantinha as duas distancias entre eixos mas agora sutilmente alongadas a curta passava de 86 para 88 polegadas enquanto a longa de 107 para 109 a arquitetura basica — eixo rigido feixes de molas semi elipticas e carroceria aparafusada ao chassi — era mantida sem alteraçoes estruturais profundas mas com ajustes nas bitolas e nos reforços o que trazia mais estabilidade e aumentava a capacidade de carga util que ja era impressionante a linha de motores tambem evoluiu o velho quatro cilindros a gasolina 1 6 deu lugar a um novo 2 25 com valvulas no cabeçote comando lateral carburador zenith e torque generoso em baixa rotaçao — perfeito para o trabalho em fazendas minas ou montanhas o motor era ruidoso nao gostava de giros altos mas entregava força continua e previsivel e mais importante era robusto surgiu tambem mais adiante uma versao seis em linha de 2 6 litros — menos comum mas bastante apreciada por quem precisava de mais força e nao se importava com o consumo em 1962 o land rover ganhava finalmente um motor diesel — era basicamente uma versao diesel do quatro cilindros de 2 25 litros que gerava pouco mais de 60 cv— mas o fazia a menos de 3 000 rpm algo que o tornava ainda mais competente fora da estrada esse motor diesel se tornaria o coraçao do land rover fora da europa ocidental era ideal para paises onde o combustivel era sujo a manutençao era escassa e os carros precisavam sobreviver mais do que andar rapido em muitos paises da africa e do oriente medio o motor diesel era praticamente indestrutivel em 1971 foi lançado o series iii com melhorias mais profundas do que a aparencia sugeria por fora o visual era quase o mesmo mas o interior trazia painel metalico com instrumentos a frente do motorista — e nao mais no centro do painel como nas versoes anteriores — novo sistema eletrico com fusiveis padronizados e interruptores mais modernos o cambio ganhava sincronizadores em todas as marchas facilitando a vida de quem nao cresceu aprendendo a fazer dupla debreagem tambem vieram versoes com direçao assistida embora rudimentar e o sistema de freios passou a aceitar discos dianteiros nas versoes mais caras e modernas ainda que os tambores fossem norma o auge dessa fase viria em 1979 quando a british leyland ja entao dona da rover decidiu instalar o v8 de 3 5 litros com bloco em aluminio — aquele derivado do buick americano e ja usado pelo range rover — em algumas versoes do land rover 109 era um motor leve potente com mais de 130 cv e um ronco grave que parecia deslocado num carro tao espartano mas fazia sentido o v8 o tornava mais veloz dava maior capacidade de traçao especialmente com carga ou em regioes montanhosas era uma aberraçao mecanica que funcionava foi tambem nesse periodo que o land rover começou a virar simbolo de aventura ele foi o carro oficial do camel trophy das travessias pelo saara das exploraçoes no himalaia era o veiculo que levava os documentaristas da bbc para filmar elefantes o carro que acompanhava arqueologos missionarios e geologos ele deixou de ser so uma ferramenta para virar um companheiro — algo que voce confiava tanto quanto nos mapas era desconfortavel barulhento instavel em curvas e dificil de estacionar mas era invencivel e era essa invencibilidade que o tornava insubstituivel seu sucesso nao estava nas vendas em grandes centros urbanos mas na presença em locais onde nenhum outro automovel ousava existir ao final de sua produçao em 1985 mais de um milhao de unidades haviam sido produzidas e quase todas ainda rodavam o nascimento do defender quando o ultimo series iii saiu da linha de produçao em 1985 a land rover nao estava apenas virando a pagina de uma geraçao estava tentando resolver um dilema que ja se arrastava havia anos como modernizar um veiculo com tanta personalidade como manter a brutalidade funcional de um projeto da decada de 1940 num mundo que naquela altura ja conhecia o audi quattro o range rover vogue e o mitsubishi pajero a resposta viria sob a forma de dois numeros 90 e 110 esses nomes nao tinham pretensao poetica — eram a medida aproximada do entre eixos em polegadas mas simbolizavam muito mais representavam o esforço da land rover em se atualizar sem trair os dogmas que haviam feito do carro um icone a base ainda era o chassi com longarinas de aço soldadas e eixos rigidos mas agora o quadro estrutural recebia reforços localizados tratamento anticorrosivo mais eficaz ainda que longe do ideal e uma suspensao totalmente renovada trocando os feixes de molas semi elipticas por molas helicoidais nas quatro rodas era o tipo de mudança que numa marca purista beirava a heresia — mas a land rover sabia que precisava oferecer algo mais confortavel e estavel em velocidade sobretudo nos mercados de exportaçao a adoçao das molas helicoidais inspirada no range rover de 1970 melhorava nao so a qualidade de rodagem mas tambem a articulaçao dos eixos em situaçoes off road extremas o carro ficava mais capaz na trilha e mais docil no asfalto as carrocerias continuavam feitas em aluminio birmabright montadas sobre subestruturas de aço o capo e os para lamas ganhavam novos contornos discretos mas que deixavam claro esse nao era um series iv era algo novo com nova filosofia o interior porem mantinha a rusticidade bancos duros isolamento acustico quase inexistente alavancas que exigiam força de fazendeiro mas agora pela primeira vez era possivel equipa lo com direçao hidraulica ar condicionado vidros eletricos e bancos dianteiros decentes era um carro pronto para os anos 1990 mesmo que ainda parecesse um habitante de 1948 no campo da motorizaçao os primeiros modelos utilizavam os motores herdados dos series iii — o 2 25 a gasolina e o 2 5 diesel aspirado mas logo veio o 2 5 turbodiesel 19j com 85 cv e mais torque era uma tentativa de dar ao carro folego extra sem abrir mao da confiabilidade o problema e que esse motor ainda baseado na arquitetura antiga sofria com fissuras na cabeça dos pistoes desgaste prematuro das camisas e superaquecimento em uso severo foi apenas em 1989 com a chegada do motor 200tdi que o land rover entraria enfim na era do diesel moderno o 200tdi era um quatro cilindros com injeçao direta turbocompressor garret e intercooler entregava 107 cv torque abundante desde 1 800 rpm e consumo honesto mas o que o tornava especial era sua durabilidade construido com bloco reforçado virabrequim de ferro fundido nodular e comando por correia dentada era capaz de rodar meio milhao de quilometros sem abrir o motor — desde que nao faltasse oleo e o diesel nao fosse misturado com querosene com ele o land rover era capaz de cruzar continentes florestas desertos ou guerras civis e nessa transiçao que entra o nome defender em 1990 a land rover precisava diferenciar os modelos utilitarios dos recem lançados discovery e range rover que agora formavam uma familia de suv mais refinados o 90 e o 110 entao passaram a se chamar defender 90 e defender 110 — nomes simples quase militares mas que soavam como titulo de honra defender e a palavra inglesa para defensor aquele que protege que resiste que mantem o novo nome consolidava uma reputaçao que ja existia no imaginario global o defender se tornava oficialmente o herdeiro direto dos land rover originais mas agora com refinamento suficiente para circular na europa e robustez de sobra para seguir sua missao historica no terceiro mundo e nao era apenas um carro de campo era um carro de guerra de exploraçao de civilizaçao era usado por forças armadas ongs cientistas caçadores e ate por principes foi o veiculo de confiança da rainha elizabeth ii do exercito britanico nas malvinas dos medicos sem fronteiras em ruanda e da turma do camel trophy que cruzava a amazonia sem estradas comprovando sua herança o defender nao era um produto era um equipamento a land rover havia conseguido o impossivel atualizar um classico sem apaga lo modernizar sem plastificar amadurecer sem domesticar o defender era tudo aquilo que o land rover original prometia — so que mais forte mais rapido mais confiavel e sim ligeiramente mais confortavel o tempo passou — e o land rover nem notou a atualizaçao ajudou a levar o defender para as portas do seculo xxi mas tambem fez dele um paradoxo sobre rodas era reverenciado por sua capacidade inigualavel mas estava ficando cada vez mais encurralado por padroes que nao existiam quando ele foi concebido numa industria que abraçava conforto segurança e eletronica embarcada ele seguia firme como um sobrevivente mecanico e essa fidelidade a origem o colocava tanto num pedestal quanto numa linha de tiro logo apos o renascimento com o nome defender em 1990 a land rover passou a fazer parte do portfolio da british aerospace numa transaçao que simbolizava mais a crise do setor industrial britanico do que qualquer alinhamento estrategico os engenheiros da marca sabiam que o defender precisava mudar — mas tambem sabiam que a alma do carro residia justamente no que ele nao tinha airbags vidros curvos sensores ou espumas de absorçao tocar no projeto significava correr o risco de destruir o que o tornava unico a soluçao como quase sempre acontece em marcas de nicho foi manter a base e atualiza la nos limites do possivel em 1994 o 200tdi deu lugar ao lendario 300tdi a arquitetura basica era a mesma mas com melhorias significativas de confiabilidade arrefecimento e suavidade o comando de valvulas passava a ser movido por correia dentada mais robusta e o sistema de injeçao bosch melhorava a entrega de torque era um motor mais civilizado — mas ainda assim brutal em uso pesado durava vibrava fumava puxava como uma mula e era isso que os donos queriam foi tambem nessa decada que o defender começou a receber pequenas melhorias de conforto sempre com certo atraso em relaçao ao restante da industria o painel ganhou desenho mais funcional bancos um pouco mais ergonomicos e surgiram versoes com vidros eletricos ar condicionado de serie direçao hidraulica progressiva mas o carro continuava sendo o mesmo monobloco de aluminio rebitado sobre chassi para entrar na cabine ainda era preciso contorcionismo o som do motor continuava dominando a paisagem interna e numa freada brusca ainda era possivel sentir o peso da suspensao dianteira em 1998 mais um capitulo importante o lançamento do motor td5 um cinco cilindros em linha 2 5 litros com turbo de geometria fixa e gerenciamento eletronico via ecu era um motor moderno para os padroes do defender mas ainda simples o suficiente para sobreviver no deserto seu som grave e seu comportamento elastico o tornaram um favorito entre entusiastas embora a eletronica embarcada dividisse opinioes — especialmente entre aqueles que achavam que qualquer componente que nao pudesse ser consertado com martelo e arame nao tinha lugar num land rover nessa epoca a land rover ja havia sido comprada pela bmw numa tentativa da fabricante alema de diversificar seus ativos o defender no entanto era tao distante dos ideais bavaros de engenharia e precisao que permaneceu praticamente intocado a bmw investiu no range rover e no discovery deixando o defender como peça de museu funcional o que o salvava era justamente isso ele era insubstituivel em nenhuma outra parte do mundo havia um veiculo que reunisse tanta capacidade fora de estrada facilidade de manutençao presença de marca e tradiçao acumulada quando a ford assumiu o controle da land rover no inicio dos anos 2000 a pressao por atualizaçoes aumentou novas normas de emissoes segurança e ruido colocavam o defender sob constante ameaça de aposentadoria a estrutura basica do projeto — com sua carroceria de cantos vivos para brisa plano e chassi de aço aparafusado — simplesmente nao atendia mais aos requisitos de crash test proteçao de pedestres ou emissao sonora mas a lenda resistia em 2007 o defender passou por sua ultima grande atualizaçao estrutural ganhou o motor 2 4 duratorq de origem ford transit com turbo de geometria variavel seis marchas e sistema common rail o desempenho melhorava o consumo se tornava mais aceitavel e a dirigibilidade dava um salto consideravel mais tarde esse motor seria substituido pelo 2 2 duratorq ainda mais limpo e eficiente embora com menos carisma nada disso no entanto mudava o fato de que o defender estava no limite tecnico do que era possivel homologar os farois circulares ja nao iluminavam como se esperava o espaço interno era irrisorio perto de suv modernos os freios exigiam concentraçao a ergonomia era um problema desde 1948 e o preço — agora inflacionado pelo status de icone — fazia com que o carro ficasse restrito a fas aventureiros e instituiçoes que valorizavam tradiçao acima de tudo insubstituivel em 2015 veio o aviso final o defender classico seria descontinuado a land rover tentaria pela primeira vez reinventar seu utilitario do zero era o fim de uma linhagem de 67 anos — e o começo de uma nova era que ainda dividia opinioes antes mesmo de começar afinal se suzuki jeep e mercedes conseguiam atualizar seus utilitarios classicos por que a land rover nao poderia fazer o mesmo o fim da produçao do defender em janeiro de 2016 foi tratado como um funeral de estado colecionadores fizeram fila para comprar as ultimas unidades milhares de entusiastas visitaram a fabrica reportagens foram publicadas em dezenas de idiomas o defender nao era so um automovel — era um monumento e como todo monumento seu valor aumentaria assim que deixasse de existir poucos veiculos conseguiram deixar uma marca tao profunda na cultura automotiva mundial quanto o defender e o mais curioso e que ele nao nasceu com essa ambiçao nao foi criado por designers nem lançado com campanhas publicitarias bombasticas nao estreou em filmes de açao nem andou em autodromos o defender virou lenda pela força da repetiçao por fazer durante decadas exatamente aquilo que se propos a fazer — e nada alem disso e ele nao era apenas resistente no sentido de robustez ou força era resistente tambem ao modismo e a passagem do tempo o defender era um fossil vivo um organismo de outra epoca que sobreviveu exatamente como sempre foi porque nunca precisou ser diferente carros mudam marcas traem seus principios icones sao reeditados ate virarem caricaturas mas o defender permaneceu feito do mesmo jeito com o mesmo cheiro de oleo e feltro velho com os mesmos rangidos com o mesmo painel de chapas parafusadas que poderia ter sido montado numa garagem justamente por isso virou objeto de desejo e entrou para a historia — nao por ser moderno mas por representar um antidoto a modernidade veja as materias anteriores Entregava 50 cv a 4.000 rpm e 11 kgfm a 2.000, com taxa de compressão de 6,8:1 — o bastante para rodar com gasolina de péssima qualidade, o que o tornava ideal para a África, o Oriente Médio e a América do Sul. Mas o que o tornava especial era sua durabilidade: construído com bloco reforçado, virabrequim de ferro fundido nodular e comando por correia dentada, era capaz de rodar meio milhão de quilômetros sem abrir o motor — desde que não faltasse óleo e o diesel não fosse misturado com querosene.

Author: Leonardo Contesini


Published at: 2025-07-01 22:47:24

Still want to read the full version? Full article