em uma epoca anterior ao cinto de segurança e ao radio fm antes de os carros se tornarem extensoes metalicas do celular e o ato de dirigir virar um fardo cotidiano existia um ritual o de guiar um esportivo britanico imagine a cena o volante de aro fino vibra sutilmente em suas maos o motor entoa um timbre metalico e sincero e o vento invade a cabine pelas laterais abertas como um parceiro de viagem sem direçao assistida sem servo freios sem isolamento acustico — tudo entre voce e a maquina e direto cru e deliciosamente vivo essa experiencia nao surgiu por acaso começou com entusiastas que nos fins de semana modificavam seus austin seven ganhou força com modelos como o mg midget e se consolidou com a serie t da mg ela se tornou o arquetipo do carro esporte leve acessivel e visceral — o tipo de automovel que cativava mais pelo tato do que pelos numeros e que transformava o ato de dirigir em um estado de espirito seu objetivo nao era vencer corridas mas derrotar qualquer chance de um fim de semana entediante lançada as vesperas da segunda guerra mundial mas consagrada no periodo pos guerra a t series ocupou um espaço muito especifico — e profundamente simbolico — na historia do automovel foi o carro que ensinou os americanos a gostar de esportivos britanicos levou a estetica dos anos 1930 ate os anos 1950 sem parecer anacronico e criou talvez sem querer uma linhagem espiritual que atravessaria o seculo xx nem poderia ser diferente a t series nasceu mais de um ideal pessoal do que de uma estrategia comercial nao foi criada em uma prancheta nem dentro de uma fabrica convencional seu criador era um piloto e vendedor de carros chamado cecil kimber morris garages cecil kimber desenvolveu cedo uma paixao por motocicletas aos 18 anos enquanto trabalhava na fabrica de tintas de impressao de seu pai juntou dinheiro para comprar sua primeira moto uma singer 1913 de 10 cv nela aprendeu sozinho os fundamentos da mecanica e da preparaçao de motores — aprendizado que o levaria a abandonar o negocio da familia para ingressar na industria automobilistica trabalhou em empresas como a sheffield simplex e a ac cars ate em 1921 ser contratado por william morris como gerente de vendas de sua revenda e oficina morris motors em oxford embora a morris fosse especializada em carros acessiveis e funcionais kimber enxergava um potencial inexplorado transformar automoveis comuns em algo mais leve esportivo e envolvente — carros que proporcionassem prazer ao volante sem custar uma fortuna mesmo como funcionario de william morris ele traçava um caminho proprio vislumbrando um tipo de carro que a industria ainda nao oferecia em 1923 ja promovido a gerente geral kimber começou a modificar os modelos da morris para torna los mais esportivos criando corpos especiais para os carros morris oxford que mais tarde ficaram conhecidos sob a marca morris garages ou simplesmente mg [caption id= attachment_384748 align= aligncenter width= 1280 ] a morris em oxford[/caption] no ano seguinte kimber lançou o mg 14/28 super sports bullnose o primeiro esportivo da marca este modelo foi um marco inicial pois kimber começou a implementar caracteristicas de desempenho e design que se tornariam a base da filosofia da marca carros leves rapidos e atraentes kimber foi fortemente inspirado pelo alfa romeo 1 5l supercharger que ele descreveu como o carro mais maravilhoso que ele ja dirigira ate aquele momento essa experiencia o motivou a criar carros que ofereciam controle perfeito agilidade e prazer de dirigir [caption id= attachment_384750 align= aligncenter width= 1024 ] o 14/28 bullnose super sports[/caption] em 1928 kimber fundou oficialmente a mg car company uma divisao dedicada exclusivamente a produçao de carros esportivos acessiveis o grande diferencial que kimber trouxe para o mercado foi a ideia de que qualquer pessoa poderia possuir um carro esportivo de alto desempenho nao apenas uma elite rica no salao de londres daquele ano kimber e a mg lançaram o m type midget embora tecnicamente baseado no morris minor — que por sua vez compartilhava componentes com o austin seven — o m type nao era apenas uma adaptaçao foi uma reinterpretaçao do conceito de carro acessivel feita por alguem que entendia que leveza podia ser sinonimo de desempenho o m type utilizava um motor com comando no cabeçote de 847 cm³ e quatro cilindros com aproximadamente 20 hp montado em um chassi curto de apenas 2 032 mm de entre eixos com suspensao por feixes de molas semi elipticas e eixos rigidos nas duas extremidades o carro nao apresentava uma mecanica especialmente esportiva kimber compreendia que o peso e inimigo do desempenho e por isso criou um carro leve com apenas 585 kg baixo estreito com posiçao de dirigir recuada volante grande e painel central com instrumentos inspirados na aviaçao [caption id= attachment_384834 align= aligncenter width= 1023 ] o mg m type[/caption] e o mais importante custava apenas £185 — menos que qualquer carro de competiçao propriamente dito da epoca era um convite a iniciaçao ao automobilismo — e os jovens britanicos o aceitaram com entusiasmo o sucesso foi imediato o m type nao apenas projetou a mg como uma marca relevante como tambem ajudou a consolidar uma nova cultura automobilistica amadora na gra bretanha seu visual puro de roadster — com farois separados para lamas destacados capota de lona dobravel e estepe externo — tornou se o arquetipo do esportivo britanico mais de 3 200 unidades foram produzidas entre 1929 e 1932 — um numero expressivo especialmente se considerarmos o contexto da grande depressao apos o crash da bolsa de nova york o m type ajudou a tornar o carro esportivo um sonho tangivel para a classe media trabalhadora depois dele o carro esportivo deixou de ser algo reservado a nobreza e passou a ser algo tangivel tambem a classe media trabalhadora a partir dali qualquer um poderia se sentir piloto bastaria um carro simples direto e agil — como o mg m type os mg passaram a dominar provas de subida de montanha time trials e ate corridas em brooklands onde surpreendiam adversarios mais caros e potentes assim nascia o espirito de davi contra golias que marcaria a identidade dos esportivos ingleses pelas decadas seguintes nos anos seguintes ao sucesso do m type a mg continuou a refinar a formula que fez o midget ser tao popular a marca lançou versoes aprimoradas como o d type de quatro lugares e o c type de competiçao mas a verdadeira mudança na historia da mg — e na cultura automobilistica britanica — viria em 1936 foi quando a marca lançou o t type a serie t da mg o mg t type representou uma evoluçao natural do m type com melhorias substanciais no design e na usabilidade o modelo inicial o ta midget era mais largo e mais longo o que proporcionava maior estabilidade e conforto sem sacrificar a esportividade nao era um carro de competiçao disfarçado mas sim um esportivo pensado para o uso diario porem com sua essencia intacta com 790 kg e um motor mpjg 1 3 de comando lateral o ta entregava 50 cv uma potencia modesta mas suficiente para um carro leve e agil a verdadeira magia do ta estava no conjunto a alavanca de cambio que exigia atençao os eixos rigidos que transmitiam cada curva diretamente ao motorista e os freios a tambor que desafiavam a coragem do condutor antes de parar era um carro que nao perdoava desatençao mas recompensava aqueles que o tratavam com o respeito que um puro sangue exigia era um carro que se distanciava da ideia de ser uma maquina confortavel e pretendia ser uma extensao do motorista cada curva cada aceleraçao era uma experiencia intensa feita para aqueles que queriam mais do que uma simples viagem sua produçao provou que muita gente queria aquilo entre 1936 e 1939 cerca de 10 000 unidades foram fabricadas um numero expressivo considerando o contexto da epoca marcado pela tensao da segunda guerra mundial em 1935 a morris motors centralizou o controle da mg em william morris o foco de morris em otimizar os lucros e reduzir os custos de produçao fez com que kimber se visse em um papel cada vez mais restrito dentro da empresa o que o deixou desiludido apesar da situaçao em 1939 kimber trabalhou na atualizaçao do t type lançando o modelo tb midget ele trouxe melhorias substanciais em relaçao ao ta apesar de ter sido fabricado por menos de um ano devido ao inicio da segunda guerra mundial o motor xpag com valvulas no cabeçote e 1 250 cm³ substituiu o mpjg entregando desempenho mais refinado e confiavel com um cambio de quatro marchas sincronizado e detalhes de acabamento melhorados o tb era um salto tecnico sutil mas significativo foram produzidas apenas 379 unidades antes que a produçao civil fosse suspensa para dar lugar ao esforço de guerra [caption id= attachment_384743 align= aligncenter width= 1044 ] o raro mg tb[/caption] a segunda guerra mundial interrompeu mas nao encerrou o ciclo dos mg kimber conseguiu assegurar contratos para a produçao de peças de aeronaves mas fez isso sem a devida autorizaçao superior o que acabou culminando em sua demissao da mg em 1941 kimber infelizmente nao viveria para ver o alcance e o legado de sua criaçao em 4 de fevereiro de 1945 cecil kimber estava a bordo de um trem que sofreu um acidente no tunel de gasworks perto da estaçao king s cross em londres resultando em sua morte o mg que conquistou o mundo quando guerra terminou o mundo estava mudado o mercado automotivo precisava de uma resposta criativa e inovadora para aquela nova realidade marcada pela reconstruçao dos paises afetados pelo conflito e pela nova organizaçao geopolitica e economica foi entao que a mg lançou o mg tc em 1945 um modelo que acabaria se tornando um verdadeiro fenomeno global especialmente nos eua o mg tc era basicamente um tb com algumas adaptaçoes o motor xpag de 1 250 cm³ entregava 54 5 cv e graças a carroceria leve proporcionava uma experiencia de conduçao vivaz a largura da carroceria foi ligeiramente aumentada os bancos eram mais confortaveis e principalmente o carro foi montado com o volante a direita — mesmo nas versoes destinadas a exportaçao o tc nao era moderno nem avançado mas isso nao importava porque ele era intenso envolvente charmoso e acima de tudo divertido os soldados americanos que haviam servido na europa nao so voltaram para casa com historias mas com maquinas que transformariam para sempre a ideia do que era um carro esportivo o tc era simples visceral desafiante — o oposto do que os americanos estavam acostumados em vez de um v8 automatico com suspensao macia o mg oferecia direçao direta marchas curtas e respostas afiadas esse pequeno roadster ingles passou a executar um papel simbolico ensinava a nova geraçao americana a se conectar com o ato de dirigir a direçao sem assistencia o cambio manual de quatro marchas a suspensao rigida e o volante de aro fino eram todos um convite a pilotagem ativa nao era um carro feito para impressionar multidoes ou vencer grandes corridas; era uma maquina feita para o prazer intimo da curva do vento no rosto da sensaçao de estar inteiramente vivo nao demorou para o tc se tornar o emblema da cultura emergente dos sports cars nos eua clubes de entusiastas surgiram por todo o pais reunindo apaixonados que buscavam replicar aquela sensaçao europeia em suas proprias terras o mg tc era pequeno barato e acessivel — tudo que um americano medio podia sonhar para escapar da rotina a partir desse sucesso inesperado do tc a mg rapidamente lançou seus sucessores o td em 1950 e o tf em 1953 [caption id= attachment_384843 align= aligncenter width= 1200 ] o mg td[/caption] o mg td lançado em 1950 incorporou uma suspensao dianteira independente derivada do mg y type proporcionando maior conforto e melhor dirigibilidade a carroceria ficou mais larga sem abandonar a alma classica do roadster britanico ele foi o modelo que realmente consolidou a presença da mg nos eua vendendo mais de 29 000 unidades ate 1953 tornando se um dos roadsters mais exportados da decada o td era um carro que cabia nas ruas estreitas das cidades europeias mas tambem conquistava o coraçao dos americanos que buscavam autenticidade e esportividade [caption id= attachment_384844 align= aligncenter width= 900 ] o mg tf[/caption] em 1953 a mg apresentou o tf que trouxe pequenas porem importantes atualizaçoes tecnicas e esteticas uma nova grade dianteira farois embutidos e opçoes de motor mais potentes em versoes especiais o tf foi o ultimo da linhagem t type tradicional e marcou o fim de uma era para os roadsters classicos da mg o inicio de uma lenda com o fim do ciclo tf em 1955 encerrava se tambem uma era romantica da mg — nao porque o espirito esportivo tivesse acabado mas porque o mundo a sua volta mudava rapido demais para a inocencia de um roadster com carroceria de madeira e painel metalico mas sua influencia essa sim atravessaria o atlantico o tempo e o imaginario dos entusiastas para sempre [caption id= attachment_384846 align= aligncenter width= 1044 ] uma corrida de mg nos eua[/caption] mas o legado do mg t type vai muito alem das linhas e cifras tecnicas o que ele plantou no imaginario automotivo foi uma semente que germinaria em toda uma industria a cultura dos esportivos leves manuais e conectados ao motorista — tao difundida hoje — deve muito ao mg t type e sua influencia transatlantica foi esse carro que ensinou o mundo a celebrar o prazer de dirigir como uma experiencia emocional nao apenas funcional [caption id= attachment_384845 align= aligncenter width= 1000 ] uma corrida de mg t na australia[/caption] o sucesso do mg t type nos eua tambem inspirou uma serie de esportivos compactos que se tornaram icones de seu tempo e alguns dos maiores classicos da historia e o caso do chevrolet corvette do bmw 507 do porsche 356 speedster e do alfa romeo giulietta spider — todos criados para atender a efervescente demanda por roadsters do publico americano nos anos 1950 todos sucessores espirituais do mg t type hoje o mg t type e reverenciado por colecionadores e entusiastas ao redor do mundo nao apenas pelo valor historico ou pela raridade mas porque ele representa uma filosofia automotiva que parece cada vez mais rara a busca pelo prazer simples e direto da pilotagem a conexao intima entre homem maquina e estrada — uma conexao que permanece viva em cada roadster pequeno e leve ainda produzido quase 100 anos depois do surgimento destes pequenos e valentes ingleses https //flatout com br/quem disse que americanos nao gostam de curvas conheca a historia/ veja os primeiros dez capitulos da serie aqui Ela se tornou o arquétipo do carro esporte leve, acessível e visceral — o tipo de automóvel que cativava mais pelo tato do que pelos números, e que transformava o ato de dirigir em um estado de espírito. Kimber, infelizmente, não viveria para ver o alcance e o legado de sua criação: em 4 de fevereiro de 1945, Cecil Kimber estava a bordo de um trem que sofreu um acidente no túnel de Gasworks, perto da estação King’s Cross, em Londres, resultando em sua morte.
Author: Leonardo Contesini
Published at: 2025-05-28 21:01:30
Still want to read the full version? Full article