Ahmad Schabib Hany: Bolívia: refletir mais que comemorar

Ahmad Schabib Hany: Bolívia: refletir mais que comemorar


As mulheres, aliás, têm um papel relevante não só no enfrentamento ao jugo colonial, mas na conquista emancipatória dos Libertadores da América, a começar por Simón Bolívar: Bartolina Sisa Vargas, líder libertária de Charcas, ao lado de Túpac Katari, seu companheiro de vida e de luta; Juana Azurduy Bermúdez de Padilla, líder independista do Alto Peru ao lado do companheiro Manuel Ascencio Padilla, que chegou a ser galgada ao posto de tenente-coronel do exército libertador e postumamente a patente de generala na Argentina; María Barzola, mártir mineira das revoltas dos trabalhadores mineiros na Mina de Catavi em 1942 (dez anos antes da insurreição popular que abriu caminho para as conquistas pós-1952); e Domitila Barrios de Chungara, líder operária que enfrentou as ‘barzolas’ (agentes femininas que usavam a memória de María Barzola para reprimir trabalhadoras e trabalhadores mineiros ao longo dos governos do MNR) e, sobretudo, na ditadura de Hugo Banzer Suárez. A UDP — formada pelo Movimiento Nacionalista Revolucionario de Izquierda (MNR-I), de Hernán Siles Zuazo, candidato a presidente; Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), de Jaime Paz Zamora, candidato a vice-presidente; Partido Comunista de Bolivia (PCB) e uma dissidência do Partido Demócrata Cristiano (PDC) –, impôs uma vitória acachapante sobre os candidatos da direita (entre eles, Victor Paz Estenssoro, do Movimiento Nacionalista Revolucionario, MNR, que adotara uma agenda conservadora, e o general sanguinário Hugo Banzer Suárez, da Acción Democrática Nacionalista, ADN, legenda que ele criou para se eleger) e sobre um emblemático combatente da esquerda socialista, brilhante senador que criou e presidiu o “Juicio del Siglo”, reunindo provas de crime de lesa-pátria e lesa-humanidade de Hugo Banzer, e que foi assassinado durante o golpe de García Meza, Marcelo Quiroga Santa Cruz, do Partido Socialista Uno, o PS-1. É fundamental observarmos que os povos originários sempre foram ‘bucha de canhão’ em todas as guerras em que a Bolívia se envolveu, sob governos ‘liberais’ — na tentativa de as elites reduzirem a população nativa e pela aguçada consciência coletiva, nesse caso patriótica, para enfrentar ‘o inimigo da pátria’ –, em que perdeu uma porção territorial maior que as atuais dimensões de seu território: Conflito do Sul (com a Argentina), em 1860, em que o Brasil pressionou a república platina a devolver parte do território boliviano; Guerra do Pacífico, em 1879, perdeu seu litoral, o deserto de Atacama e duas cidades portuárias (Calama e Antofagasta); Conflito do Acre, de 1904, em que perdeu o território do atual estado brasileiro que leva esse nome; Guerra com o Peru, 1909, em que a Bolívia perdeu parte da região amazônica que havia conseguido manter do Conflito do Acre com o Brasil; Guerra do Chaco, uma guerra fratricida que, além de empobrecer e dizimar milhares de pessoas humildes, destruiu e endividou sobremaneira os dois países mais pobres da América do Sul, insuflados por dois países vizinhos (Brasil e Argentina) e duas petroleiras transnacionais (Standard Oil e Shell).

Author: Lucia Editora


Published at: 2025-08-04 21:20:50

Still want to read the full version? Full article